quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sem dúvida nenhuma

Estamos voltando do último dia de aula na escola nova. As notícias no rádio falam da votação da LDO. Meu filho, de 11 anos, começa a fazer perguntas e eu acho melhor contar uma historinha:

_Era uma vez um país cheio de dívidas, com uma inflação galopante e uma terrível fama de caloteiro. Os governantes prometiam soluções para os problemas, mas ninguém de dentro e de fora acreditava. Era uma pasmaceira danada. Um dia, depois de mais um calote e até do confisco da poupança do povo, um governante jurou que ia mudar a situação. Ele disse que arrumaria tudo, que pagaria as dívidas, que as pessoas poderiam investir em seus empreendimentos, abrir lojas, postos de serviços, contratar gente, comprar coisas e até voltar a poupar. Mas como o povo e todo o resto do mundo acreditaria numa balela daquelas? O governante disse então que gastaria menos do que recebia em impostos e também que faria uma poupança extra, como sinal de que estava falando sério. E então o governante começou a mostrar que não era gastador e que estava conseguindo fazer a tal poupança extra. As pessoas viram e voltaram a acreditar em um governante e, pouco a pouco, começaram a deixar de ver aquela gente do governo como um bando de mandões corruptos que não ajudavam e às vezes cobravam muito caro para não atrapalhar. Isso durou mais de dez anos, com problemas aqui, problemas acolá, mas aí a coisa começou a ficar preta. O país agora estava com um governante que exigia ser chamado de governanta e todos os dias surgiam denúncias e escândalos de gente do governo envolvida em corrupção. Mas na propaganda da governante o país estava uma maravilha. A maioria do povo continuava a acreditar que tudo estava bem, que o governo e sua gente estavam contendo os gastos e continuavam a fazer a poupança extra. Mas aos poucos as pessoas foram descobrindo que não era bem assim. O país não estava indo bem em relação a muitos outros países. A cobrança de impostos da governante continuava a melhorar, o governo recebia cada vez mais dinheiro. O problema é que também estava gastando muito, muito mais do que recebia. E para piorar, no fim do ano se descobriu que a governante não tinha conseguido fazer poupança extra nenhuma e que tinha até aumentado em muito a dívida do governo. Só que ainda tinha mais coisa. Todos os dias apareciam notícias de que pessoas que trabalhavam para empresas do governo estavam prometendo devolver dinheiro que tinham recebido para não atrapalhar. Era dinheiro que não acabava mais, em contas no exterior. Como resultado da gastança extra e da corrupção, muitas pessoas começaram a duvidar do governo e...

_Pô, pai, eu só perguntei o que é superávit primário.

_É a poupança extra que o governo prometeu. É isso que o projeto de lei pretende acabar.

_Mas pai, se o governo não conseguiu poupar antes, não adianta prometer que vai poupar agora. Então é melhor acabar com a mentirada.

_O problema é que o novo ministro do governo que cuida dos gastos já havia prometido uma poupança extra para o ano que vem e uma outra poupança extra maior ainda para o ano seguinte.

_Hum. E em quem você vai acreditar? No ministro ou na governante?

_Por enquanto, estou em dúvida.

_Mas pai, o governante manda no ministro?

_Bom, acho que sim. Quem nomeia é o governante.

_Ué, se o governante não prometeu poupança extra, então não adianta o ministro prometer, não é?

_É.

_Então, qual é a dúvida?

Volto a ligar o rádio. Em seguida desligo. É o primeiro dia de férias. Tenho um monte de dúvidas para tirar.

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