Não teve jeito, na última quarta-feira fomos a pé para a escola. Quero dizer, eu fui a pé. Minha filha foi de bicicleta. Na última hora, eu me toquei que não teria a menor disposição para colocar uma bicicleta no bagageiro do carro por volta da uma da tarde, na hora da saída da escola. Também fiquei com preguiça de instalar o suporte para bicicleta, um emaranhado de ganchos, armação de metal e faixas reforçadas. Para simplificar, decidi seguir a minha filha a pé, com a condição de que ela me esperasse a cada vez que fosse atravessar uma rua. Fizemos o trajeto em 20 minutos.
Durante a caminhada eu não me cansava de pensar que tudo é metáfora, tudo é metáfora. Minha filha seguia à frente a uma velocidade pequena, sem fazer muita força. Ela se distanciava rapidamente na calçada. De vez em quando um pedestre desconhecido surgia no trajeto e eu apertava o passo, ansioso para estar ao lado dela, temeroso de que o pedestre se revelasse um perigoso zumbi devorador de menininhas felizes que adoram andar de bicicleta. Todo mundo anda tão sério, quase não se vê um sorriso de manhã. Ninguém respondeu ao Bom-Dia que eu e minha filha íamos distribuindo. Ela estava radiante e quando ela está assim, eu também me sinto radiante. As pessoas que passavam obviamente não tinham o menor interesse naquela banal aventura de um pai e uma filha. Um ou outro abanava a cabeça, uma empregada esbaforida riu dos meus esforços para alcançar a minha filha, num trechos mais perigosos do trajeto. Tropecei duas vezes, quase caí. Vi um passarinho morto no canto de uma calçada. Uns trezentos e cinquenta e nove cachorros latiram atrás das cercas-vivas das casas do bairro. Algum conhecido que não reconheci buzinou de dentro de um carro enorme, com vidro fumê. O céu azul pálido de Brasília e o amarelo forte do início da manhã no planalto central encheram os meus olhos.
_Cansou, paiê?
_Não, claro que não - eu disse.
Mas é mentira, é claro. Suei um bocado, inclusive na sola dos pés enfiados na bota nova e confortável que ganhei de presente no Dia dos Pais. Depois que a minha filha entrou na escola, voltar sozinho para casa montado na bicicleta com cestinho branco não teve a menor graça.
Um comentário:
Leve e bom, como sempre, carecone.
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