segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Abelhas
Hoje tive que tirar uma “siesta” depois do almoço. A escola das crianças é do outro lado da cidade, meia hora de percurso. Tenho que acordar bem cedo e por isso, na retomada da rotina da volta às aulas, tive uma crise de soneira braba depois do almoço. O jeito foi cochilar.
Lá pelas três da tarde escuto a sirene do carro do Corpo de Bombeiros. Seis soldados do fogo com uniforme pela metade(botas, calças anti-chamas com suspensórios e camisas brancas de algodão) bateram à minha porta e pediram permissão para entrar. Eles vieram por causa das abelhas.
Sim, eu já estava esperando. Passei a manhã ligando para diferentes números em busca de ajuda para me livrar de uma grande colméia no meu quintal. As abelhas tomaram conta da minha horta suspensa, ou melhor, do ladrão de água da minha horta, que se tornou impraticável e tomada por pragas desde a chegada das abelhudas. Dei a horta como perdida e liberei a área para as abelhas, tão bonitinhas e fundamentais para a polinização da minha jabuticabeira, limoeiro e mangueira. Convivemos pacificamente com elas durante uns seis meses, mas no último final de semana as danadas invadiram a cozinha, evidenciando uma expansão territorial imperialista que deixa pessoas alérgicas, como eu, com muito medo. O jeito foi declarar guerra.
Depois de vários minutos de pesquisa, descobri na Internet que existe uma lei que impede o extermínio puro e simples das abelhas, que pode resultar em enquadramento na rigorosa legislação ambiental. Ou seja, manés como eu podem acabar em cana se resolverem tocar fogo numa colméia no fundo do quintal. Antes de fazer qualquer coisa, o cidadão deve procurar auxílio nas autoridades constituídas, blá, blá, blá, acabei ligando para os bombeiros.
Liguei para um quartel. Depois para outro. Aí me disseram que era melhor ligar para um quartel mais próximo de casa. Então liguei para o quartel mais próximo e o atendente me disse que os bombeiros realmente ajudam as pessoas a se livrar das abelhas.
_Ótimo! Vocês podem vir aqui hoje?
Não. Veja bem. Era preciso ligar para o número de emergência dos bombeiros, fornecer umas informações e só então verificar a possibilidade de agendar uma visita. Tudo bem. Liguei para o número de emergência.
_Abelhas? Mas isso não é uma emergência, meu senhor!
_Eu sei, eu sei. Mas já é o quarto bombeiro que me atende, e cada um fala uma coisa. Eu só quero me livrar das abelhas.
E aqui eu contei as história das minhas abelhas desde o início, quando vi o chumaço de abelhas protegendo a abelha rainha descer no meio do quintal lá pelo mês de agosto, um dia lindo, uma agitação e zum-zum magníficos até que as danadas se estabeleceram na abertura da jardineira e dali não saíram mais. Quer dizer, elas saem a todo instante, é uma zumbição sem fim, a jardineira virou o castelo delas e pronto.
O bombeiro da emergência ouviu tudo com a maior paciência e ainda fez umas perguntas bem detalhadas, sobre o tipo de abelhas, se eu acreditava que elas representavam algum risco, se elas eram agressivas, se eram africanizadas, se haviam provocado alguma dano.
Eu disse que sim, é claro. As abelhas eram africanizadas do tipo Europa, com ferrão e tudo, que bastava chegar perto que um monte delas começava a sair da colméia zumbindo zumbidos agressivos, com más intenções, que nem o cachorro chegava perto da colméia, que a minha vizinha já tinha reclamado das abelhas, que o neto da minha vizinha tinha reclamado das abelhas e que meus filhos e os amigos dos meus filhos já tinham reclamado das abelhas e, principalmente, que a minha mulher já estava porraqui com as abelhas e também já tinha reclamado, quando é que vocês podem vir?
_Vai depender do número de ocorrências. Pode ser amanhã, ou depois. Ou, se for um dia tranqüilo, ainda hoje.
Então, até as três da tarde os bombeiros tiveram um dia tranqüilo e foram até a minha casa para a vistoria. Seis bombeiros. Um carro de combate ao fogo com escada telescópica. Sirene. Fiquei grato, é claro. Mas ao mesmo tempo eu pensei, pô, tudo isto por causa de umas abelhinhas?
Os caras são profissionais, por isso se dividiram em dois grupos no quintal da minha casa. Três ficaram brincando com o meu cachorro shi-tzu e os outros três foram vistoriar a colméia. O bombeiro mais graduado, que também era o mais baixinho, limpou a garganta e e fez o relatório.
_Olha, essa está bem fácil de pegar!
_Hum-hum – eu disse, como se dissesse que não estava familiarizado com o jargão.
_É que em casos assim é melhor não matar as abelhas.
_Ótimo! Vocês vão remover as abelhas. Que bom, eu já estava com remorso.
_Não, não. Nós não removemos abelhas. Nós combatemos. Em caso de extrema necessidade, nós apresentamos uma lista de produtos e só então, com o material em mãos, nós voltamos até a casa do indivíduo no final da tarde, ou no início da noite, e com o aparato completo é que o efetivo entra em combate.
_Hum-hum – eu disse, já com uns dois por cento a mais de familiarização com o jargão.
_Mas no caso dessa residência, o melhor é evitar o combate. E nós temos uma senhora que é ótima, ela recolhe uma colméia dessas rapidinho e cobra só a gasolina. Que tal?
_Ótimo!
O bombeiro graduado fez a intermediação, combinei com a caçadora de abelhas e amanhã mesmo ela vem retirar a colméia. Esperei os bravos soldados do fogo terminarem de brincar com o shi-tzu e depois os escoltei até o gigantesco carro de combate a incêndios. Na rua, vizinhos observaram com grande interesse a movimentação, incluindo a vizinha que já reclamara das abelhas. E o neto dela também. Acenei em agradecimento aos bravos combatentes e entrei em casa sem dizer uma só palavra. Na cozinha, pousada sobre a bancada, encontrei uma abelha perdida, zumbindo feito uma doida. Fritei a bandida com uma superraquetada elétrica. Rá. Depois fiquei pensando que os bombeiros têm uma vida meio estranha. Vivem de combater o fogo. Mas quando se trata de abelhas, o negócio deles é queimar.
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