domingo, 30 de março de 2014

Cinco minutinhos

Deixamos a mesa do café-da-manhã arrumada. É uma estratégia que garante dois ou três minutos que podem fazer a diferença entre chegar na hora ou muito atrasado na escola do meu filho mais velho. Em geral, eu e minha mulher dividimos essa tarefa. Quem arruma a mesa do jantar fica automaticamente livre de arrumar a mesa do café-da-manhã. Mas não há rigidez. Eu às vezes arrumo as duas mesas. O importante é que os cinco minutos do período da manhã estejam garantidos.

Os físicos sabem muito bem que no período da manhã o tempo passa mais rápido, a velocidade da luz é atravessada pelo sono, a preguiça deixa a gente em câmera lenta e com os olhos embaçados. Só mesmo uma bela caneca de café quente e cheiroso para fazer com que sangue volte a correr no ritmo do mundo novamente. E sem uma fatia de pão tostado no forninho elétrico, crocante e quente, com manteiga dourada e deliciosamente derretida por cima, não é possível recuperar o dom da fala e abandonar de vez o irresistível planeta da complacência sonífera.

Com meu filho também não é muito diferente. Ele fica em silêncio inquebrantável por longos minutos até a primeira dentada na maçã ou pera. Só depois é que se anima. E é então que aqueles cinco minutos conquistados na noite anterior se mostram tão fundamentais, porque é possível encontrar tempo entre as mastigadas para dizer como será o dia, fazer o check-list do material diário e planejar a logística do leva-e-traz com a minha mulher.

Uma vez só esquecemos de deixar tudo preparado. Não foi bom. Tivemos que fazer tudo corrido pela manhã e nem deu tempo de conversar direito. Mas o principal problema foi o check-list. Sem ele, não é preciso dizer, esquecemos as coisas mais triviais e paradoxalmente fundamentais para o dia-a-dia. Fica evidente que é preciso usar o tempo da melhor maneira possível e aproveitar ao máximo todas as janelas em que estamos juntos para apreciar as boas coisas. Ou só para estarmos juntos.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Os efeitos do cinema no cotidiano

Choveu hoje o dia inteiro, o que me deixa um pouco desanimado. Especialmente porque surgiu uma goteira no telhado e essa umidade toda impede qualquer tipo de conserto. A nova goteira apareceu no último sábado, quando choveu a cântaros e a mudos silenciosos. A água se infiltrou em algum lugar na base da chaminé da churrasqueira e desceu para o forro, na copa. Felizmente o gesso do forro trincou e a água não se acumulou, desceu para o balcão da cozinha. A Rose percebeu e eu pude posicionar alguns baldes estratégicos sobre o balcão. Não ficou bonito, mas conteve o problema. Por enquanto, com as telhas Monte Carmelo encharcadas, não há o que fazer. Tenho que esperar um dia de estiagem, com sol a pino para secar bem as telhas e tentar vedar o telhado.

Em dias tão chuvosos assim, até o Rafa fica meio brocochô. Para espantar a pasmaceira, dedico dez minutos extras da manhã ao cachorro. Ele gosta de buscar coisas, então fico atirando o osso de borracha em várias direções. Rafa busca da primeira vez com grande animação. Na segunda vez já é possível ver que a brincadeira não está mais tão empolgante. E na terceira vez Rafa pega o osso de borracha e me esnoba, indo se refugiar debaixo da mesa. Eu só o convenço a sair usando um palito de osso. Ele adora. Depois passo cinco minutos alisando o Rafa. Li em algum lugar que os cães adoram isso e nós, humanos também. A mesma reportagem dizia que coçar o cachorro também contribui para a melhoria da saúde do cachorro e do humano coçador.

O tempo voa quando estamos nos divertindo, todo mundo sabe. Daí a um instante já é hora de pegar as crianças. No trajeto até a escola, tudo molhado e monótono. Escuto as notícias e sou transportado no tempo. Há quanto tempo nossos problemas são os mesmos? Há quanto tempo ouvimos a cantilena dos poderosos que propõem as mesmas soluções, sem nunca cumprir as metas estabelecidas? Agora é pior, sem dúvida nenhuma. Minhas esperanças são mais reticentes e abaladas.

Não importa. Agora estamos eu e meu filho no carro, voltando para o almoço em casa. Ele me conta as aventuras e desventuras do seu cotidiano, as provas que ainda acontecerão, os resultados das que já fez. Quando chegamos, começamos com a nova mania de aplicar efeitos do cinema no cotidiano. O predileto é a câmara lenta.

_Anda, saia logo do carro, menino!

_Pai! É a câmera lenta – diz ele. Ela adora usar o efeito quando eu demonstro estar com pressa de alguma coisa.

E por alguns minutos ele finge andar em câmera lenta até a porta de casa. Eu espero pacientemente que ele se aproxime. Quando ele finalmente chega ao meu lado, eu também entro na brincadeira. Demorei tanto a abrir a porta que o menino não esconde o bocejo.

terça-feira, 25 de março de 2014

O único com furo no meio


A proverbial inventividade de nossos marketeiros é velha conhecida e reconhecida até por Cannes, em numerosos festivais publicitários. Nossos campeões foram lá muitas vezes e saíram carregados de prêmios. Mas nossos historiadores sempre souberam dourar a pílula melhor do que qualquer um. Aqui é o país do maior isso, maior aquilo, tão bem incorporado na cultura de Itu, no interior paulista. Nós sempre fomos muito bons em auto-elogio desconectado da realidade. Nossas projeções e expectativas são auto-referenciais.

Prova disso é que uma das melhores peças publicitárias de que ouvi falar costumava ser atribuída a Luiz Carlos Bresser Pereira, na época em que trabalhava numa das agências do ramo. Rezava a lenda, lida em artigo de jornal, que Bresser recebeu a dura tarefa de fazer um comercial sobre uma pastilha colorida redonda, com formato de bóia de navio. O produto tinha o gosto tão bom quanto o do Drops, a grande pastilha que dominava o mercado da época. O domínio era tão absoluto que a denominação da marca já havia metonimicamente se confundido com o nome, como gilete para lâmina de barbear. Além de um concorrente exemplar, a pastilha-bóia tinha um problema de peso. Quase do mesmo tamanho que o drops, o formato de bóia a deixava mais leve que a concorrente. Bresser teria que convencer as crianças de que comprar menos pastilha era melhor. Mole pra ele. Dizem os brazucófilos historiadores da publicidade que Bresser não demorou nem dez minutos para matar a charada. Tascou logo o slogan: o único com furo.

Lenda, pura lenda. O slogan, se foi mesmo “bolado” por Bresser, era um plágio internacional. O produto era uma imitação das pastilhas bóia salva-vidas “Life Savers”, criadas nos EUA em 1912, inicialmente dirigidas ao combate do bafo-de-onça dos fumantes e bebuns com o slogan “For that stormy breath”. Depois, quando os caras perceberam que eram as crianças que estavam chupando as pastilhas(e fumando escondidas) dos pais, que pagavam caro por elas, inventaram o slogan chupado pelos brazucas: “The only with the hole”. Lenda, ou não, a historieta é ilustrativa das táticas de marketing ainda largamente empregadas no meio empresarial e político. Não só vendemos gato por lebre, como as campanhas se especializaram em vender menos por mais, o defeito como virtude.

Aqui em Brasília, nesta semana fomos assolados por uma gigantesca campanha de um programa de combate ao assédio sexual no transporte público. O governo local desovou um sem-número de peças publicitárias destinada a combater o encoxamento e estupro no transporte público. O problema é relevante, é óbvio que ninguém quer violência, estupros e bolinação desavergonhada e safadeza, com violência ou não, dentro dos ônibus e metrôs ou em qualquer lugar. Mas sem a superlotação e espremeção de gente no aperto de lata de sardinha dos coletivos e a presença dos seguranças, os predadores não agiriam. A super-concentração de pessoas boviniza a galera, desumaniza e deixa todos indiferentes e incapazes ao que se passa no centímetro quadrado apertado ao seu lado. A ausência de policiais, de efetivos repressores do crime, faz o resto. A propaganda oficial, no entanto, dá a entender que agora as mulheres estão protegidas. Será mesmo? De qualquer modo, a superlotação continua e não se tem notícia de nenhum programa para melhorar o transporte público da capital do país. Nem para deixar ruas e estações mais seguras.


Outra campanha que me chamou a atenção foi a de vacinação de meninas contra o HPV. A disparidade de faixas de público-alvo me deixou curioso. No Distrito Federal está sendo estimulada a vacinação de meninas de nove a 13 anos de idade. Em outros estados, a vacinação tem foco na faixa etária de 11 a 13 anos. Por quê começar tão cedo com as crianças daqui? A explicação oficial é de que nos próximos anos, a vacinação será feita na mesma faixa de 9 a 13 anos em todo o país. Não é o que está escrito no material explicativo distribuído nas escolas. O texto afirma que a campanha é dirigida para as crianças de 11 a 13 anos. Na Internet, as pessoas se mostram apreensivas quanto à possibilidade de ocorrência de efeitos colaterais e outros problemas relacionados à vacina. Outras pessoas afirmam que a eficácia da vacina é bem discutível e que a aplicação não elimina a necessidade de buscar acompanhamento médico especializado anualmente para as meninas. Ou seja, na prática, a vacina é uma medida preventiva, profilática, que não imuniza a criança contra o HPV. É diferente, portanto, de uma vacinação que imuniza contra a horrorosa poliomielite, e das tríplices, que nos protegem contra tétano, difteria, coqueluche, sarampo, rubéola e caxumba. Tomamos todas essas e estamos livres dessas coisas, não é mesmo? Pois com a vacina do HPV não é bem assim. Ela está mais para a linha de vacinas anuais contra a gripe, que eu não tomo desde que fiquei muito gripado na seqüência. O problema existe e é sério, milhares de mulheres sofrem com o câncer do colo de útero, que mata e esteriliza. Mas, vacinadas ou não, todas devem ir ao ginecologista pelo menos uma vez ao ano e é isso que faz a diferença. Enquanto isso, as meninas continuam expostas a uma erotização precoce e a uma permissividade excessiva, como furinhos na pastilha de uma pretensa imunização.

Comece a reparar. Talvez você esteja apenas sendo convencido a comprar menos pastilha porque ela tem um furinho no meio.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Outra tarde de devaneios

Meia hora praticamente parado num engarrafamento sem motivo. Eu poderia estar lendo um dos maravilhosos artigos de Coetzee sobre literatura e escritores. Como não trouxe o livro, fico tentando me lembrar dos melhores trechos do artigo que li ainda cedo. Aos poucos, retomo o velho hábito de ler logo que acordo, para manter a mente focada logo cedo. Pode parecer meio besta, mas eu preciso ler artigos, se pretendo ler artigos. Preciso ler livros, se estou escrevendo livros. E preciso ler logo cedo para não ficar perdido em devaneios e planos mirabolantes o resto do dia. Com algumas pessoas, funciona com a leitura dos jornais ou com a leitura da imprensa na internet. Comigo, depois de muitas experimentações, descobri que o melhor efeito foco é obtido com um livro.

Nesse artigo que estou tentando lembrar, Coetzee fala sobre Italo Svevo. É um pseudônimo, o nome verdadeiro é Aaron qualquer coisa(dá um google, aí). Ele é natural de Trieste e durante algum tempo morou na Inglaterra como representante de uma empresa especializada num produto do balocobaco. A empresa era dona da patente de um líquido que impedia o crescimento de cracas nos cascos dos navios. E a Inglaterra estava cheia de navios. Italo Svevo se esbaldava. E precisava de um professor de inglês para melhorar as suas correspondências comerciais. Contratou um professor chamado James Joyce. Nunca consegui ler um livro inteiro do irlandês. Ulysses é um volume começado várias vezes, mas jamais concluído. A tradução inventiva para o português(creio que é de um dos irmãos Campos) conseguiu transformar o que já era uma chatice num troço gloriosamente chatíssimo. Já atolei tantas vezes que desisti. Esse não pego mais.

Por outro lado, releio Moby Dick e Os Miseráveis de vez em quando. Mantenho "O Idiota" ao alcance das mãos, um dia pretendo reler. Quando dou por mim, estou no final do engarrafamento, devaneando leituras que desejo fazer.

Em outro artigo, Coetzee fala sobre o truque de Robert Walser para atingir um estado de transe sonambúlico que ele considerava necessário e fundamental para a escrita. Walser inventou uma estenografia caligráfica peculiar que lhe permitia entrar em modo de escrever. Tento me lembrar das palavras exatas, mas não consigo. É o artigo mais trágico do livro até agora. No dia de Natal de 1956, Walser foi encontrado morto de frio nas proximidades de um hospital para doentes mentais na Suíça. Seus olhos estavam abertos. A polícia tirou uma foto do cadáver com os olhos arregalados e depois disso as reimpressões dos livros de Walser passaram a ostentar a foto dos olhos abertos do cadáver. Isso foi feito até 1973 e só parou depois de um artigo de Elias Canetti deplorando o uso da foto do morto na contracapa e nas orelhas de suas publicações.

Quando percebo, estou estacionando o carro e já é hora de fazer todas as outras coisas.

quinta-feira, 20 de março de 2014

O disco que destruí

Contei aqui o dia em que comprei um disco dos Rolling Stones. Aí fiquei pensando que isso bem que daria uma boa série de crônicas, desde que eu não fosse o único a escrevê-las. Acontece que todo mundo tem um disco de que gosta muito e sabe exatamente como foi que ele começou a fazer parte da sua vida. O Cabeça, por exemplo, teria pelo menos umas dez boas histórias sobre as centenas de discos de vinil que mantém em sua casa. Meu amigo Mário Salimon, que também é músico, com certeza teria um monte de textos sensacionais sobre cada um dos vinis que guarda com carinho em sua casa. Rodrigão, um outro amigo que é baixista, poderia falar não somente dos discos, mas da sua preciosa coleção de fitas cassete, que eu pedia emprestado e copiava fazendo malabarismos tecnológicos em casa. Outros amigos, como o Velho Tom, Marcelino e Márcio, que são conhecedores de música clássica e veneram Bach, Mozart, Beethoven e Chopin também poderiam contribuir. Para minha mulher, eu poderia pedir que contasse como ficamos mais de dois anos escutando o CD Universo ao Meu Redor, da Marisa Monte, sem enjoar. Até hoje é um dos preferidos, junto com The Atomic Mr. Basie, o CD que eu usava para embalar o sono das crianças, no balanço da rede da varanda do velho apê. Mas depois desanimei de pedir texto para os amigos, eu sou meio fogo de palha quando se trata de pedir alguma coisa a alguém.

E então pensei em contar a história do único disco que destruí. Eu não sou destruidor. Gosto de escrever e desenhar, assobio muito. Estou mais para um consumidor voraz de músicas e livros com pequenas ânsias de criatividade, do que para destruidor. Mesmo assim destruí um disco. Foi a trilha sonora de Dancin´Days, a velha novela da Globo. Minha irmã tinha ganhado esse disco, que escutamos muito, mas muito mesmo. Eu gostava. Mas de repente eu tinha 13 anos e todo mundo com quem eu andava da escola era rockeiro. Os caras da quadra eram rockeiros. Meu irmão era rockeiro. Minha mãe não se importava com o barulho. E meu pai, como todos os pais, detestava música alta. Nada disso foi capaz de me transformar num destruidor de discos. Mas uma conversa banal foi.

Um dia, o Cabeça me perguntou à queima-roupa se eu gostava de discoteca.

_Eu? Não, claro que não! - eu disse.

_Deixa disso, que eu sei! Você tem a maior cara de quem gosta de discoteca - ele disse.

_Vá abocanhar uma maçaneta gorda! Eu detesto discoteca, meia soquete, Dona Summer, Bee Gees, dançar que nem o John Travolta - eu disse.

_Dançar? Rockeiro não dança, ô Mané! Rockeiro pula! Confessa que tu és o maior "fever night" da paróquia!

_Eu sou heavy metal, xará! Lá em casa não entra discoteca. Se entrar, eu risco o disco inteirinho.

_Lá em casa eu nem me dou a esse trabalho de riscar. Eu jogo pela janela! - disse o Cabeça.

_Eu também. Eu também - eu disse.

_Ah, é? Ah, é? E como o disco faz quando se atira ele pela janela?

Silêncio. Silêncio total de quem é pego na mentira e está completamente sem alternativa para enrolar o outro ser humano. Silêncio absoluto.

_Não sabe? - ele disse.

_É que por enquanto ainda estou na fase de arranhar. Depois vou jogar pela janela.

_E qual disco você está arranhando?

_Dancin´Days.

_Tu estás a arranhar Dancin´Days? E vai jogar pela janela? Não acredito em você, cara. Você é um travolteca "stayn´alive"! Some daqui!

Foi por isso que depois que eu cheguei em casa eu terminei de arranhar o disco. Em seguida, depois de verificar que não havia ninguém na rua, eu peguei o disco e o atirei sem capa pela janela, como se fosse um disco-voador. Para minha surpresa, ao invés de flutuar em linha reta por alguns instantes, o disco mergulhou na vertical e se espatifou no asfalto. Tive sorte de não acertar ninguém e nenhum carro. Devolvi a capa do disco para a estante, onde três dezenas de discos se amontoavam em capas trocadas ou permaneciam envoltos apenas na capa plástica. No dia seguinte, quando contei como o disco fez uma curva rápida e se espatifou sobre a calçada, o Cabeça fez um gesto de não-entendimento, deu uma risada e depois me disse que eu era um dos caras mais malucos que ele conhecia.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Republicando - Bicicleta na Vertical II

(Continuação do texto publicado neste blog em março de 2008)
Na entrada da escola, uma dezena de pais, bicicletas, velocípedes, skates e patinetes se aglomeravam no portão. De repente, são engolidos por fagocitose e desaparecem em segundos.

_Pai, eu não vou entrar – ele fala, categórico.

_Pode ir tranqüilo que eu volto daqui a pouco, com sua bicicleta arrumada.

E aí nós nos atiramos noutro bolo de gente e entramos na escola.

Na frente da sala do mais velho, tinha até uma bicicleta imitando a vassoura voadora do Harry Potter. Esse povo alternativo é muito massa. Contei dezesseis bicicletas. As bicicletas da sala da menina estão todas do lado de dentro. São 13 bicicletas azuis e uma cor-de-rosa. Com a dela, são quinze bicicletas. Só duas meninas na sala. Aos três anos de idade e tendo lições diárias de sobrevivência na selva. Somando tudo, dava pelo menos cem bicicletas. Em suma, não havia a menor possibilidade de deixar meu garoto de fora daquela confusão. É, tenho de confessar que essa traição me passou pela cabeça.

Menino e menina entregues. Tratei de voltar pra casa rapidinho. Eu tinha duas tarefas urgentes. Primeiro achar a rodinha que havia sumido. E em segundo lugar, arrumar o parafuso espanado da rodinha. Cheguei em casa e a Rose, a mulher que eu colocaria na Casa Civil, já havia encontrado a rodinha. Então só faltava arrumar o parafuso espanado. Procurei na casa inteira, e não havia nenhum parafuso que servisse. Coloquei daquelas fitas de pvc, que se usa em vazamento de mangueira de gás, em volta do parafuso. Pareceu firme. Reforcei com uma amarração de arame com alicate. Achei que daria para agüentar. Depois descobri que só resistiu por uns cinco minutos de uso, mas alguém da escola consertou com um parafuso de verdade. Ficou bom mesmo. Voei para a escola.

Consegui chegar antes do recreio. No portão, encontro uma mãe, também carregando uma bicicleta.

_Esqueceu da bicicleta também? Hoje foi o dia, né? – ela sorri, solidária.

_É essa correria, né? Lavar, passar, manicure, olhar menino... dá uma canseira na gente!

Ela me olha como se eu tivesse hanseníase e se afasta.

O meu filho assiste a minha chegada pela janela da sala. Um sorriso enorme vira um grito de alegria. E quando ele sai correndo da sala para me abraçar eu morro de medo dele tropeçar. Eu acho que a vida seria muito mais bonita se alguém ligasse uma trilha sonora nesses instantes, se pusesse a música adequada para tocar no momento certo. Mesmo assim, foi muito melhor que abraço de pai e filho em cinema, cena que sempre me emociona até as lágrimas. E depois disso eu voltei para casa.

Mais tarde, quando eu fui pegar os dois, eu perguntei qual tinha sido a melhor coisa daquele dia. Eu sempre pergunto isso.
_Foi “fora”, com as bicicletas – diz a menina. E ela conta como se divertiu com a bicicleta, sua única companheira de sala e os outros meninos. Ela caiu, me mostrou o machucado na mão esquerda. E disse que chorou. Mas também riu e ficou alegre. Acho que ficou mais tempo alegre do que triste. E ficou em ação, em movimento.

E eu estou muito curioso e insisto com o menino.

_E o que foi melhor hoje para você, filho?

_Foi “dentro”. Caiu o dente da Camila e ela me deixou segurar. Era um dentão! – diz o menino.

Eu sei, eu sei. O maravilhoso é sempre alguma coisa que não podemos sequer imaginar.

terça-feira, 18 de março de 2014

Republicando Bicicleta na Vertical I

(Publiquei o texto abaixo neste blog em março de 2008)

Às sextas-feiras na escola alternativa das crianças, do horário do recreio em diante, eles fazem uma coisa chamada “Vertical”. Todas as crianças, de dois a seis anos de idade, de todas as salas, participam da mesma brincadeira. Eles chamam a brincadeira de atividade. Tem culinária. Tem teatro. Tem festa a fantasia. Tem circuito. Tem pique esconde invertido. Pique esconde invertido?
_É, pai. Todo mundo procura, menos um, que fica escondido – o mais velho me explica.
Imaginei a escola inteira contando até vinte para que eu me escondesse. E depois, todo mundo correndo, em todas as direções para me encontrar. Eu, lá em cima da árvore, feito o tio maluco do Fellini em “Amarcord”. Parecia divertido.
_E circuito, como é?
_Tem as flechas no caminho e você vai seguindo. É massa.
_É da hora, pai – a menina concorda.
Anteontem foi dia de levar bicicleta para a vertical. Poderia ter levado um velocípede modernoso, o velotrol, e a bicicleta. Mas eu resolvi levar duas bicicletas. Uma é cor-de-rosa e a outra é de super-herói. De manhã é uma confusão danada até estarmos prontos para sair. Mamar, escovar, limpar, lavar, vestir, comer, beber, fazer xixi, etc. Na hora de sair, descubro que a rodinha da bicicleta do homem-aranha não está onde deveria estar.
_Cadê a outra rodinha? Você viu?
_Não – respondem os dois, ao mesmo tempo.
_E você consegue andar só com uma rodinha, filho?
Ele nega. Mesmo assim, na minha frente experimenta um pouco e quase cai na segunda pedalada.
_Deve estar em algum lugar. Mas agora não dá tempo de procurar. Na volta eu acho. Eu arrumo a bicicleta e levo antes do recreio, antes de começar a vertical.
_Não, sem a bicicleta eu não vou.
_Filho, agora não dá tempo nem de conversar. Vamos nessa!
E a contragosto, ele apanha a mochila e me segue. Faz um beiço enorme. Franze a testa. Cruza os braços. E a irmã provoca um pouco, só para me bajular e deixar claro que com ela está tudo bem.
_Pai, ele está pondo língua.
_É feio por a língua, filho.
_Pai, ela é dedo-duro.
_É feio ser dedo-duro, filha.
_Pai, ele me bateu.
_ Não pode! Bater no mais fraco é covardia. Pede desculpas.
_Desculpas.
E aí vem um minuto de pausa. Sinal de cérebro funcionando e de que vem pergunta. O que será que será?
_Pai, pode bater no que tem força igual?
_Po... ahn, aí depende – eu me embolo todo nas piores horas.
_Não, seu bobo, quem tem força igual nem briga, né pai? – a salvação vem de um juízo de três anos.
_É melhor não brigar. Nem com mais forte, nem com mais fraco. O melhor é conversar – tento retomar o controle.
E conto a história do menino que vivia apanhando do fortão da escola. Até o dia em que ele aprendeu qual era o ponto fraco do menino fortão. E era o dedão do pé. E quando o fortão chegava perto para bater, o menino pisava, com toda a força, no dedão do pé do menino fortão. E depois disso, o menino mais fraco nunca mais apanhou do fortão. Na verdade, depois disso, o menino mais fraco começou a pisar no dedão do outro todos os dias. E aí o pai desse menino mais fraco foi processado, pois o pai do menino com o dedão inchado era advogado. Os dois pais se enfrentaram no tribunal. De um lado, a torcida do pai menino fortão. Todo mundo malhado, musculoso, fazendo “uh, tererê”! E do outro, a torcida do pai do menino fraquinho. Todo mundo calmo, escutando música, lendo livro. Aí o menino fraquinho grita: “Aê rapaziada da geral! Comuéquié?” E os livros voam e os caras do bem levantam com o canto de guerra dos anhangueras: “É pique, é pique, é pic, é pic, é pic, é hora, é hora, é hora, rá, TIM, bum, MAIS fraco, MAIS fraco”. E aí, graças ao merchandising bem feito, o menino mais fraco só teve que pagar uma multa.
Eu sei, as minhas histórias para crianças estão mais para boi dormir. Mas com isso consegui enrolar os meninos até chegar na escola.

domingo, 16 de março de 2014

Ilha

Nenhum homem é uma ilha. Isso é fato conhecido desde antes de Robinson Crusoé ter sido inventado por Daniel Defoe. Mesmo na ficção, o náufrago ficou um bom tempo sozinho numa ilha do Atlântico, mas depois encontrou Sexta-feira, um índio que se torna seu amigo depois de ter sido salvo dos canibais a tiros de bacamarte. Quando li o livro, ainda menino, eu imaginava que Sexta-feira também fosse canibal. Naquele tempo eu acreditava, como todo mundo, que a gratidão vence qualquer costume primitivo. Além disso, havia o bacamarte.

Uma vez vi uma versão de Robinson Crusoe em que o verdadeiro herói é Sexta-Feira. Era um musical. Foi chato pacas, não lembro de quase nada. Depois li em algum lugar que Defoe se baseou numa história verídica de um marinheiro inglês que, depois de liderar um motim, desembarcou de um navio e viveu sozinho numa ilha do Pacífico, em águas do Chile. O marinheiro esperava que outros amotinados o seguissem, mas ninguém topou a empreitada. O sujeito viveu mais de 4 anos em solidão na ilha. Não havia nenhum dia da semana com ele. Só algumas cabras. Um dia foi resgatado e voltou a viver na Inglaterra.

Outra vez vi uma versão da história em que o náufrago era o Tom Hanks. Acho que tiveram problemas com o orçamento e não tinha nenhum índio, só uma bola de basquete. Numa das melhores cenas, Hanks faz um lance de três pontos ao perder a bola para um tubarão. A bola era tão expressiva que concorreu ao Oscar de melhor coadjuvante naquele ano.

Tudo isso é para dizer que, assim como os homens, nenhuma cozinha é uma ilha. Veja o Cabeça, por exemplo. Ele agora tem uma no apartamento dele. É grande, bonita e deixaria Robinson Crusoe de queixo caído. Eu fiquei, embora fosse Sábado. Acho que até mesmo Tom Hanks , o quase náufrago espacial de Apolo 13, o náufrago mental de Forrest Gump, e o corajoso navegador seqüestrado de Capitão Philips gostaria daquela ilha.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Disco X Rock - 1978

Um dos primeiros discos que eu comprei foi Some Girls, dos Rolling Stones. Fui de ônibus até a Discodil do Conjunto Nacional, o maior shopping de Brasília no final dos anos setenta. A Discodil era a melhor discoteca do centro da cidade. Lembro que fiquei com medo de que o dinheiro economizado da mesada não desse conta do recado, então fiz o máximo que pude para garantir os possíveis centavos faltantes. Comecei pela passagem de ônibus. Havia uma regra nos ônibus da cidade. A criança que passasse debaixo da roleta não precisava pagar a passagem. Pouco tempo depois esse costume seria abolido e as roletas dos ônibus passariam a ser chamadas de borboletas, por conta da enorme asa que passaria a ser incorporada a cada barra. Sim, sou mais velho do que a asa de borboleta das roletas dos ônibus. Mas naqueles dias eu ainda tinha uns 13 anos e o tamanho de uma criança de onze anos.

Eu achava que os meus óculos ajudavam a diminuir a minha idade, mas o trocador do ônibus achava o contrário. Depois que eu me arrastei por debaixo da roleta ele me disse que eu deveria pagar a passagem porque tinha cara de mais de dez anos. Era verdade e portanto, eu paguei. Reparei também que ele não colocou o dinheiro em caixa e nem girou a roleta. Simplesmente embolsou a grana na maior cara dura.

_O que foi? - ele me disse.

Eu não disse nada, é lógico. E tratei de ir para um dos primeiros bancos do ônibus. Para meu azar, era um Grande Circular, que fazia as asas sul e norte do Plano Piloto. Ou seja, se tivesse pegado um Asa Sul, eu desceria no mesmo ponto de ônibus e pagaria metade da passagem. Ao invés de poupar, eu havia possivelmente comprometido a minha compra de disco. No caminho eu pensava em maneiras de negociar o preço do disco, embora isso fosse realmente impossível. Na minha percepção, os vendedores de discos eram criaturas gananciosas e absurdamente emproadas, que se mostravam irritadiços e absolutamente impacientes com meninos e meninas, especialmente com os meninos como eu, que não pareciam ser grandes o suficiente para carregar dinheiro.

Quando desci na plataforma superior da rodoviária do Plano Piloto, de frente para a Esplanada dos Ministérios, eu passei rapidamente pelos vendedores ambulantes e mendigos que ajudavam a entupir as calçadas. Quando entrei na Discodil eu já sabia exatamente qual era o disco que eu queria, mas fiz questão de levar um monte de discos para uma das 4 cabines individuais, com fone e toca-discos, que a loja colocava à disposição dos fregueses. Eu adorava aquela discoteca. E naquele dia do ano da graça de 1978, eu já havia passado por lá várias vezes para olhar os discos quentes que chegavam. E eram muitos. Eu ouvi a trilha de Saturday Night Fever e de Grease. Ouvi Who are You - The Who, The Album - ABBA, News of the World - Queen, e a versão ao vivo de Last Dance no álbum duplo Live and More, da Donna Summer. Também escutei coisas do balacobaco como Get Off do Fox, You're In My Heart - Rod Stuart, Wonderful Tonight - Eric Clapton, It's a Heartache - Bonnie Tyler , Sweet Talkin' Woman - Eletric Light Orchestra e More than a Feeling - Boston, Psycho Killer - Talking Heads e Follow You, Follow Me do Gênesis. É lógico que eu não tinha dinheiro para tudo. Dava para um disco e, contando as moedas e voltando para casa a pé, conseguiria comprar uma fita cassete original da gravadora.

Eu vivia um embate profundo na época. Discoteca ou Rock? O disco Some Girls seria a minha solução temporária para a dúvida. Os roqueiros torciam o nariz para Miss You, mas gostavam do resto. Eu gostava de Miss You e também gostava das outras, para mim é um dos melhores discos dos Stones até hoje. Mas os dois grupos começavam a se mostrar incompatíveis. Em breve, com uma rápida olhadela seria possível distinguir com precisão quem andava com os rockeiros e quem era da turma da discoteca. Os adolescentes que se achavam feios, escrotos, fedidos, burros, incapazes de arrumar uma garota, deslocados e desajustados rapidamente se alinharam com a rebeldia sem causa do rock. E em alguns meses, lá estava eu, junto com todos eles.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Um pires

Eu gostaria de ser diferente. Sempre vejo um monte de gente falando que faria tudo igual, que não se arrepende e coisa e tal, e que não importa, que faria tudo exatamente como fizera antes. Eu não. Eu vacilei um bocado. Em algumas ocasiões, fui arrogante. Em outras, fui humilde. Se pudesse voltar talvez tivesse invertido as coisas. Seria humilde na arrogância e arrogante nos períodos em acho que dei mancada sendo humilde. Ou talvez substituísse tudo só pela arrogância permanente. Tenho quase certeza de que descartaria a opção da humildade. Tive menos problemas sendo arrogante.

A verdade é que a humildade traz muitos problemas. E dor nas costas. Não é fácil ser humilde. Não tem o menor glamour, é chinfrim pacas. E mesmo assim fui ensinado a acreditar que o humilde, só por ser humilde, será de alguma maneira recompensado no final. O grande problema é que ninguém nunca poderá saber quando será o final. E se for amanhã? Ou daqui a 10 minutos?

Fiquei prestando atenção nos últimos cinco minutos e posso garantir que se o fim estivesse realmente acontecendo, eu não me sentiria muito recompensado. Por outro lado, é verdade também que não tenho sido muito humilde, o que justifica a pouca recompensa, não é mesmo?

Babacas arrogantes, em geral, são mais felizes. Repara. Numa boa. Você não vê babaca em crise. Se vir, seria uma babaquice sua, não é mesmo? É impossível dizer “olha lá, o babaca está em crise”, se você não for um babaca! Não, crise e babacas não andam juntos. Até porque se sentir o máximo é o que faz do babaca, um tremendo babaca. E um babaca quando reconhece um outro, não perde tempo com babaquice.

Por outro lado, todo arrogante é um babaca. Mas por incrível que pareça, nem todo babaca é arrogante. Existe uma infinidade de subtipos de babacas. Mas o último e mais surpreendente de todos é o babaca humilde. Existem babacas tão humildes, humílimos mesmo, que chegam a despertar na gente um pouco de piedade. Eu mesmo conheço um monte de caras que chegam a dar pena, de tão babacas. Você não? Ah, coitado.

Tudo isso é pra dizer que uma das coisas em que gostaria de ser diferente é quanto à minha superficialidade. Eu gostaria de ser mais profundo e intenso. Mas depois de tanto tempo eu já percebi que sou superficial e frívolo. Dou um valor exagerado às aparências e chamo isso de senso estético acentuado.

Aqui estou eu. Profundo como um pires.

terça-feira, 11 de março de 2014

Ameixas

É agora que as ameixas estão mais gostosas. É na segunda semana de março que as ameixas chegam do jeito que eu mais gosto, doces mas com um traço ácido bem no final da mordida. Também é agora que não estão nem macias e suculentas demais e nem esponjosas e insípidas. Estão perfeitas, cada naco tem a consistência e o sabor que despertam boas sensações e lembranças.

Sempre comi ameixas. Quando criança, havia de dois tipos. Aquela amarela, de pele bem fina e aveludada, com umas sementes marrons gomadas por dentro. No quintal da casa da minha avó materna cansei de subir nos pés de ameixas e passar horas no meio da árvore, comendo até me cansar. Ou até ser atingido por uma mamona ou manga verde atirada por um primo ciumento de ameixa. Eu era miúdo e leve, ninguém mais conseguia subir nas árvores sem quebrar galhos e estragar as fruteiras que minha avó tanto gostava. Quando me cansava, descia com um cacho ou dois, não mais, para repetir tudo no dia seguinte, exaurindo árvore por árvore. A outra ameixa era a preta, tirada da lata, seca ou em calda, presente nos pudins, no olho-de-sogra, na farofa com passas, no recheio caprichado de alguns peixes, nos bolos e no frango assado de domingos bem especiais.

Agora os supermercados oferecem aquela mesma ameixa só que fresca, in natura, importadas ou nacionais. Prefiro as que se parecem com uma bola pequena. Algumas vezes estão grandes demais, ficam parecendo aquelas bolas de maçaneta. Dessas eu não compro, quase sempre estão com a casca dura e enegrecida, se estragam rapidamente por dentro, embora ainda conservem uma relativa boa aparência externa. As minhas preferidas estão com a casca vermelho escuro, quase amarronzada, mas com trechos de um vermelho vivo brilhante. Examino cada uma com cuidado antes da compra. Não podem estar amassadas, pois não duram mais que dois dias se estiverem machucadas.

Gosto de deixar as ameixas na bandeja de frutas, junto com as maçãs vermelhas, peras e bananas. Todas as vezes digo para mim mesmo que vou tirar uma foto para depois desenhar uma natureza morta, mas sempre esqueço de pegar a máquina. Quando dou por mim, lá estou eu com duas ameixas frescas e bem lavadas, olhando para o quintal. O gramado está bem aparado, a primavera da pérgula está repleta de flores e até o paredão de hera está bem cuidado. Está na hora de começar um novo projeto.

P.S.: Ultimamente a internet tem caído todas as noites, perto da hora em que termino o texto (que escrevo on-line) para postagem. As quedas me obrigam a retomar o hábito de escrever o texto em planilha para depois fazer o copy/paste. O grande problema é que não consigo simplesmente copiar e colar, fico remexendo o texto e isso muitas vezes torna tudo ininteligível.

sábado, 8 de março de 2014

A Arma Zeta 08 de março - FIM

Estou observando a margem do lago desta cidade. Vejo tudo de uma residência particular, confortavelmente instalado numa cadeira de fibra trançada. É uma propriedade grande, mas sem luxos. À frente, um gramado bem cuidado e um píer pequeno, com postes de luz e tartarugas de sinalização. É um belo local a qualquer hora do dia, mas é singularmente belo à noite.

Vindo do lado direito, surge um pescador com um molinete. Houve uma época em que era muito comum aparecer alguém com caniços e tarrafas. Agora só aparecem sujeitos com molinetes reluzentes, máquinas high-tech que não conseguem operar corretamente. Os caras lançam iscas a dois metros com um equipamento projetado para lançamentos de 20 a 25 metros. Se ele soltasse a linha e atirasse o anzol iscado com a mão obteria uma distância muito maior. O pescador está adernando para a direita, tropeça, pragueja gesticulando e cai sentado sobre o fio d´água, o que me leva a concluir que está chapado.

Ainda adernando, o pescador encontra um grande pedaço de isopor. Desta distância não consigo descobrir que tipo de isopor é aquele, mas parece ser grande o bastante para alguém subir em cima. É o que o pescador pretende fazer. Ele espetou o molinete numa extremidade e procura um jeito de se acomodar sentado sobre o isopor. Começa a ficar engraçado. É impossível ficar sobre o bloco sem que a coisa vire. O pescador já levou dois tombos mas ainda insiste. A vara de pesca continua espetada, por milagre.

O sujeito não vai desistir agora. Ele decidiu se abraçar ao isopor, como se fosse uma prancha de surf. Começa a se movimentar para uma área mais profunda do lago e perde o pé, já não tem apoio. A situação instável fica perigosa, ele está uns 50 metros da margem. A vara se inclina e é puxada repentinamente. O pescador afunda sob o isopor. Quando emerge, a vara se foi. O sujeito se agarra desesperado ao isopor e começa a bater os pés. Ele vai conseguir. Vai sobreviver. Ou não.

Caleb mira cuidadosamente e dispara a arma Zeta. Tudo o que consigo perceber é um pequeno círculo de ondas que se dispersa rapidamente. O pescador continua a bater os pés.
No acordo que fizemos, famílias à parte, cada um usa a arma Zeta como quiser, sem a interferência do outro. Caleb também concordou em responder todas as minhas perguntas, desde que eu só fizesse uma única pergunta por dia. Ele só conseguiu acertar o pescador depois de nove disparos. Não parece preocupado. Tem todo o tempo do mundo para melhorar a mira. E eu tenho um monte de perguntas para serem respondidas.

FIM

A arma Zeta 07 de março

Não havia harmonia de pensamentos entre eu e Caleb. Não deliberamos em conjunto. Eu desconsidero qualquer aprovação da parte dele e não preciso de sua permissão para fazer o que eu quero. Mesmo assim fizemos um acordo, buscamos um meio termo entre vontades. Existem pessoas que não admitiriam a possibilidade de fazer um acordo sob a ameaça de ser desintegrado. Obviamente, eu não sou uma delas.

Caleb diz que é imortal. Eu não acredito. Mas também não duvido. A única coisa que sei de fato é que não virei um montinho de roupas porque Manoela acionou o campo de força da arma Zeta. Sim, a arma Zeta é capaz de gerar um campo de força.

_Isso é tecnologia alienígena, meu caro, quase tudo pode acontecer – disse Manoela.

_Então a arma Zeta veio de outro planeta? – eu disse.

_Veja bem... – disse ela.

Ficamos um tempão dentro do campo de força, até que Caleb fez uma pausa para ir ao banheiro. Quando ele voltou foi a minha vez de disparar contra o campo de força de Caleb. Achei bem legal disparar com a arma Zeta. É como se você segurasse um ferro de solda sem fagulhas, mas com todo aquele brilho. Manoela sugeriu uma nova pausa e um acordo para que tivéssemos melhor qualidade de vida.

_Estou cansada de raios disso, raios daquilo, campos de força. Vamos fazer outra coisa. Que tal? – disse Manoela.

Caleb pensou um pouco e depois abaixou a arma Zeta. Era diferente da minha. Parecia um daqueles ganchos para pendurar sacolas plásticas de supermercado. Ou então um cabo de guarda-chuva.

_Tudo bem. Vamos fazer uma trégua até o jantar. Estou com fome – disse Caleb.

Mas a trégua acabou se prolongando. Depois de alguns dias, fui convidado para jantar. Só aceitei porque Manoela me garantiu que eles não tinham nada a ver com a morte do meu primo Vini.

_E os coveiros? E as pessoas no cemitério?

_Caleb tem uma mira ruim, sorte sua. Olha, Toni, ele quer propor um acordo, o que passou, passou – disse Manoela.

_Anistia ampla, geral e irrestrita – eu disse.

_É. Só mais uma coisa. Prometeu, tem que cumprir. Ele não suporta traição.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A arma Zeta 06 de março

_Montinhos de roupas? Que ridículo – disse Manoela.

_Também acho, mas não sou eu que estou disparando essa coisa. É você. Se dependesse de mim, eu desintegrava tudo – eu disse.

_Eu não estou disparando nada. Isso é tudo coisa da sua cabeça, Toni.

_ Toni? Você vivia me chamando de Sam. Agora é Toni?

_É tão bom quanto Manú. E você sempre me chama de Manú – ela disse.

_Tudo bem, Manú. Se as pessoas não estão desaparecendo, se você não tem nada a ver com a morte do meu primo Vini, pode me explicar o que está fazendo aqui, no cemitério?

_Eu poderia mentir sobre isso, Toni.

_Eu sei, Manu. Você faz isso o tempo todo. Mas você também poderia dizer a verdade.

_Tudo bem. Vou dizer a verdade. Por onde você quer que eu comece?

_Pela arma Zeta.

_Por isso aqui? É só um pedaço de lixo, já te disse muitas vezes. Tome, é inofensivo – disse Manoela, estendendo a arma Zeta para mim. Eu a agarrei imediatamente.

_ Esta é a arma de todas as armas, você mesmo me disse. E também já me contou uma história louca, do seu trisavô, índios, traições e nazistas.

_ Eu menti daquela vez. Uma única vez. Era carnaval. Você estava muito louco. Eu também. Foi uma brincadeira. Sua imaginação fez o resto. Mas desde então vivo repetindo a verdade. Não existe arma Zeta. Isso é só um enfeite de mesa. Mas você sempre prefere a mentira. Eu digo que é um brinquedo velho, você diz que é um artefato bélico. É uma questão de caráter.

_Você se feriu, sua mãe ficou louca, Caleb a usou ...

_Caleb é meu pai! Ele jamais nos machucaria. Foi você que pirou e passou mal, Toni. A história da arma Zeta de algum modo fez você entrar em curto-circuito. Cuidamos de você até que seus pais chegaram de viagem. Mas depois você se tornou um chato, não saía lá de casa...

_ E por quê você deixou esta chave para mim? – eu disse, segurando a chave no colar e apontando a arma Zeta para Manoela.

Com os olhos arregalados, Manoela emudeceu.

_Eu não deixei nada para você. Por favor, me devolva o brinquedo – ela disse.

_Então foi Brigite, não importa. Eu demorei a entender, Manu, que a arma de todas as armas deveria ter um gatilho especial. E o que seria mais especial do que um gatilho externo que não se parecesse com um gatilho? Bacana, não é? Mas foi só o início. Depois eu remoí a memória e descobri que você me deu uma dica e tanto quando disse que só você poderia disparar a sua arma Zeta. Você também disse que existem várias armas Zeta em circulação. Eu não sou muito inteligente, mas ficou óbvio que para cada uma das armas haveria também um único e exclusivo gatilho. Uma chave, um anel, um colar, um brinco, um pingente... Coisas que uma exímia artesã poderia fazer em casa.

_É tarde demais, Toni.

E sem que ela me dissesse eu sabia que Caleb estava às minhas custas.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A arma Zeta 04 de março

Na quarta-feira de cinzas, o enterro do meu primo Vini foi rápido. Não havia quase ninguém. Os dois coveiros fizeram um serviço displicente. Nos filmes nós vemos os americanos em ternos e vestidos impecáveis, as covas geometricamente abertas em gramados perfeitos, se despedindo dos falecidos com elegância e sobriedade. Não se vê barro e lama, há orações e música da melhor qualidade. Nada poderia ser mais contrastante com nossa realidade. Por aqui os coveiros espalham terra para todo lado, o caixão fica imundo antes de descer à cova, não existe um lugar para se pisar que não seja grudento. As pessoas em suas roupas de supermercado se despedaçam em lágrimas e desespero. Berram súplicas desesperadas em direção ao céu.

Eu fitava os pombos entre os túmulos. Ninguém sabe quem inventou o conceito de síndrome do pombo enxadrista. O que não diminui a genialidade embutida nessa definição. De acordo com essa situação hipotética, discutir com algumas pessoas é como jogar xadrez com um pombo. A ave derruba e espalha as peças do jogo, defeca no tabuleiro e estraga a partida. No final, o pombo ainda sai cantando vitória, aos arrulhos, com o peito estufado. Rru, rru.

Eu era um pombo quando discutia com Manoela. Mesmo assim, ela sempre conseguia me convencer do que dizia. Eu fazia tudo o que ela queria. Eu era o pombo enxadrista que perdia todas. Ou talvez estivesse vendo as coisas sob um prisma errado. Quem poderia saber como seria uma partida de xadrez entre dois pombos?

Os coveiros terminaram o serviço e saíram lentamente arrastando as pás. Ao olhar para um canto mais distante de onde estávamos, julguei ter visto Manoela fantasiada de índia. Os coveiros desapareceram. Manoela ria de mim e apontava a arma Zeta para onde eu estava. Uma a uma, todas as pessoas presentes ao enterro viraram fumaça, até que só restaram pequenos montinhos de roupas e eu.






segunda-feira, 3 de março de 2014

A Arma Zeta 03 de março


Uma vez vi um filme sobre um sujeito que inventava um colírio para melhorar a visão. O cara era um médico que estava quase cego e o colírio, além de salvá-lo da cegueira, de algum modo começou a fazer com que ele desenvolvesse uma visão super-aguçada. Esse sujeito começou então a enxergar tudo e mais um pouco, ele começou a ver os órgãos das pessoas. E no início essa visão fantástica o ajudou no trabalho, a pessoa entrava para uma consulta e ele dava uma mirada no esôfago do sujeito e já localizava o tumor. Outra pessoa entrava e ele olhava para o estômago do cara e lá estava uma úlcera enorme, o problema com o pâncreas, o intestino, o coração.

O tal médico era uma abreugrafia autônoma, um scanner tomógrafo-computadorizado vivo. Ele fazia consulta-relâmpago, com exame, diagnóstico e receituário imediato, na lata, não precisava esperar nada. E até aí você fica achando que o cara vai se dar bem, não há como dar errado. E é exatamente o que começa a acontecer no filme. Ele fica milionário. Todo mundo quer se consultar com ele, é uma loucura.

Mas tudo que é bom dura pouco, o cara não para de trabalhar e começa a usar colírio demais. Ele não consegue dormir porque as pálpebras já não protegem os olhos da luz, ele vê através delas. Para ter algum tipo de descanso ele inventa uns tapa-olhos, mas isso também não adianta muito. Logo, logo, a clientela começa a ficar com medo do médico, porque os olhos dele vão ficando esquisitos, com uma cor escura. E porque ele não dorme, o cara fica maluco e agressivo, num instante todos os pacientes se mandam.

Aí a próxima cena que você vê é esse médico numa lona, sendo anunciado como uma aberração de circo, num espetáculo de adivinhação. Acontece que o médico desenvolveu uma visão de raio-x e os olhos dele estão vendo mais do que o esqueleto, ele está vendo a alma das pessoas. Ele consegue saber quem é bom, quem é ruim, quem fez a coisa certa e quem errou. Acontece mais alguma coisa, há uma cena que eu não lembro direito, ele vê um bebê no útero da mãe. A última cena mostra o sujeito vagando pelo deserto, com o rosto ensanguentado. A última fala do médico no filme é "Se o teu olho o ofende, arranca-o."

Lembrei dessa coisa toda enquanto ligava para o meu primo Vini. Ele era o único que poderia confirmar a informação. Pelo o que eu sabia, a arma Zeta não poderia transformar ligações telefônicas.

_Vini? Vini? É você? - eu disse várias vezes.

Mas não era. A pessoa que atendeu disse que alguém havia atropelado meu primo e que ele estava no hospital. E quando cheguei ao hospital ele já estava morto. Eu gostava do primo Vini. Se aquele médico do filme o tivesse visto diria que ele tinha uma boa alma.






domingo, 2 de março de 2014

A Arma Zeta 2 de março

As razões são constituídas de fatos. O que é verdadeiro não pode, ao mesmo tempo, ser percebido como falso. Quando isso acontece, ocorre a confusão e a loucura. A verdade não varia de indivíduo para indivíduo, de acordo com a percepção de A ou B. Isso seria absurdo. Assim, só é possível ter um único tipo de relação com a verdade, o verdadeiro. Qualquer outro tipo é falso. Para Kant, a mentira prejudica a humanidade em geral. Para Montaigne, os mentirosos deveriam ser consumidos pelas chamas.

Muitas pessoas se entregam a mentiras e a outros tipos de comportamento avesso à verdade. Isso não dificulta a conversa ou o convívio proveitoso com essas pessoas. Significa apenas que temos que ser mais cautelosos. Podemos nos sair muito bem num ambiente de fraude e de falsidade, desde que possamos contar com nossa própria capacidade de discernir entre os diferentes tipos de casos. Existem aqueles casos em que as pessoas estão deturpando as coisas para nós. Existem também os casos em que estão nos tratando com sinceridade. O único problema é que existem mais complicadores para cada uma dessas situações. As pessoas que estão deturpando as coisas, por exemplo, podem estar sinceramente convencidas de que não estão mentindo, embora o estejam. Por outro lado, podem ser mentirosos contumazes subitamente convencidos de que é melhor falar a verdade. É difícil saber. Quase sempre, somos apenas levados a acreditar em quem nos desperta maior confiança. No final das contas, as pessoas acreditam em qualquer coisa que queiram acreditar ditas pelas pessoas em quem confiam.

A variedade é grande. Existem pessoas que duvidam que o astronauta Neil Armstrong esteve na lua com o Apollo 11. Foram truques fotográficos. Outras pessoas conseguem provar que as torres gêmeas foram destruídas por explosivos cuidadosamente plantados e não porque aviões se chocaram contra os edifícios. Tudo teria sido fruto da ação de agentes do próprio governo para justificar ataques a países do Oriente Médio. Hitler teria morrido de velho na Argentina. Elvis não morreu, só se cansou da coisa toda. Obama é o verdadeiro Yuri, o comunista infiltrado pela extinta União Soviética que desmontará a América por dentro. Deus ainda não veio. Deus não veio, mas mandou o Filho, que foi morto cruelmente. Deus virá. Deus vem todos os dias. Deus não precisa vir. Eu só verei Deus se fizer as coisas ditas pelos caras que conversam com Ele.

Quem está certo? Quem está com a verdade? As pessoas acreditam no que precisam acreditar. E aquilo em que acreditam é a única verdade. Até que descubram que a verdade em que tanto acreditam, ditas pelas pessoas em quem tanto confiam é, na realidade, uma mentira.

Naquele momento, eu tive certeza de que Manoela não estava dizendo a verdade. Mas não sabia até que ponto ela estava mentindo.

_Então me devolva aquele brinquedo velho – eu disse.

_Aquilo é parte da sua mania. É o seu Elmo de Mambrino – disse Manoela.

_Besteira. Eu não sou nenhum Quixote.

_Não? Pois parece. Está aí, montado na sua motoca, de capacete, caçando moinhos de vento. E com a ajuda do seu primo barrigudo, o Sancho Pança Vini.

_Foi você que me falou da arma Zeta!

_Lá vem a sua loucura novamente. Eu jamais falei coisa alguma sobre essa sua fantasia. Eu me arrependo amargamente de ter ajudado meus pais a socorrer você, desmaiando de bebida no corredor do apartamento, naquele carnaval.

_Você não vai conseguir me confundir. Não adianta. Você é uma Mondego. Filha de Rosalvo Alencar Mondego.

_Meu nome é Manoela Caleb. Meu pai se chama Victor Caleb. Minha mãe se chama Brigite Eleonor Caleb. Passei um ano da minha vida repetindo a mesma coisa para você.

_Não é isso que está escrito aqui, ditado pelo meu primo Vini – eu disse, enquanto arrancava o pedaço de papel do bolso e olhava a minha anotação. Foi então que, sem nenhuma surpresa da minha parte, vi as letras da minha caligrafia se estreitando e se alongando, numa rápida reorganização. Agora era possível ler VICTOR CALEB, em letras maiúsculas. Eu sabia, eu sabia. Alguém, em algum lugar, havia acabado de disparar a arma Zeta na minha anotação.

sábado, 1 de março de 2014

A Arma Zeta 01 de março


Levei um susto, é claro. Mas eu estava de capacete e casaco, era impossível ver o meu rosto debaixo daquilo tudo. Era sexta-feira pré-carnaval. Eu estava irreconhecível, tinha certeza disso.

_Sei que é você. Nós o vimos no parque da cidade. Você até que conseguiu descobrir onde estávamos bem rápido. Aposto como foi aquele seu primo do Detran que ajudou. Como é mesmo o nome dele? – disse Manoela.

_Vinícius – eu disse, tirando o capacete. Mil dias começaram a subir sobre os meus ombros.

_O primo Vini, isso mesmo, você me contou. Ficou devendo um favor a ele, não foi?

_Não. Ele não cobra quando o assunto é de família.

_Uma ova. Qualquer dia ele apresenta a conta, você mesmo me disse.

_Resolvi que valia a pena – eu disse.

_Não vale, acredite. Eu gostaria que você não me procurasse mais. Já faz mais de ano, foi no outro carnaval. Esqueça tudo – disse Manoela.

_Não consigo. Fico vendo a poça de sangue se formando debaixo da sua barriga.

_Isso nunca existiu. Nunca aconteceu. É coisa da sua cabeça, seus pais falaram com a gente. Minha mãe se cansou depressa, perdeu a paciência. Eu também, por diversas vezes perdi a paciência. Eu sou a sua monomania, a pessoa que desperta suas fantasias. Faço você imaginar coisas, construir moinhos de vento. Mas eu não sou Dulcinéia. Nada disso é real. Procure outra pessoa, por favor. Onde está aquele médico? Me deixe em paz. Ou serei obrigada a chamar a polícia. Meu pai...

_Rosalvo Alencar Mondego – eu disse.

_Victor Caleb – disse Manoela. Meu pai, Victor Caleb, deve chegar a qualquer momento. Vá embora. Será melhor para você. Todas as vezes que se encontram acabam brigando. É melhor você não se verem.

_E onde está a arma Zeta? – eu disse.

_O enfeite de mesa? Aquele brinquedo velho? É nisso que você pensa? É só um brinquedo antigo – disse Manoela.

Frase do dia