domingo, 30 de dezembro de 2012

Um dos melhores discos do ano



Tame Impala - Elephant

Música do álbum Lonerism, da banda Tame Impala, um dos melhores discos do ano.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cinco cadeiras



Alabama Shakes - Be Mine

Deve ter uns dois anos que a minha mulher sempre olha o mesmo modelo de cadeira nas lojas. O preço também é sempre o mesmo. Parece que nada influi no preço dessa cadeira. Hoje, depois da feira, ela entrou decidida na loja que já havia visitado na véspera, na ante-véspera e duas semanas atrás e me chamou para olhar as cadeiras.

_São bonitas - eu disse.

_São lindas, são as minhas cadeiras - ela disse.

_Quantas você quer levar?

_Cinco.

_Ué, nós somos quatro, por que cinco cadeiras? Uma é para o Rafa?

-Não seja bobo, sempre quis ter cinco cadeiras iguais a esta.

_Faz sentido, faz sentido.

Os olhos brilhavam. Minha mulher se emociona com facilidade. Por minha vez, o simples fato de ver a minha mulher se emocionar me deixa profundamente emocionado. Por isso, o vendedor nos encontrou quase aos prantos olhando para as cadeiras.

_Posso a-judar? - ele disse, provavelmente pensando que havia interrompido uma briga de casal ou coisa parecida.

_Pode, moço, pode. Quanto custa aquela cadeira? - eu disse, com a voz embargada pela emoção.

_Essa aqui? É uma bela cadeira, o senhor e a senhora têm ótimo gosto. Esta belíssima cadeira está em promoção, deixe-me verrr, deixe-me ver, custa xxx reais - disse o vendedor.

_XXX REAIS! - eu disse, tentando esconder o pânico. Era o preço de sempre, não tem jeito.

_Mas podemos dividir em até três vezes - disse o vendedor, com um largo sorriso.

_TRÊS VEZES! - eu disse, sem esconder o desânimo.

Eu disse para a minha mulher que deveríamos pensar melhor. Então fui dar uma volta para fazer contas mentais e cutucar caixas de lojas com a ponta do pé, uma mania que desenvolvi durante anos. Nessas grandes lojas de atacadão, que também vendem no varejo, há sempre uma caixa numa prateleira qualquer que são boas de cutucar com a ponta do pé. Você cutuca e, às vezes, sai alguma coisa detrás da caixa. Pode ser um inseto, um roedor, um felino. Às vezes não sai nada, mas é possível escutar um barulho esquisito que sugere a existência de um bicho qualquer ou até mesmo de uma pessoa, se o lugar for bem estranho. Bom, mas nessa loja eu cutuquei um monte de caixa e nada, nada, nada aconteceu. Tirando uma vendedora que me pediu com toda delicadeza para que eu parasse de dar chutinhos nas caixas, não aconteceu nada.

_Tudo bem, eu paro. Mas não estou dando chutinhos. São cutucadas com a ponta do pé.

_Acho bom o senhor parar de cutucar senão eu vou chamar o segurança para cutucá-lo para fora - disse a vendedora.

Quando eu reencontrei minha mulher, ela estava com o maior sorriso que eu vi no rosto dela nos últimos dois anos. As cadeiras eram nossas, ela disse. E em dez vezes sem juros, no cartão.

_Nossa, deve ter sido uma negociação muito difícil - eu disse.

_Nem queira saber - ela disse.

_E quando eles vão entregar? - eu disse.

_Como assim? Nós vamos levar agora, no carro.

_Mas meu amor, acabamos de fazer a feira. O carro está cheio de frutas e legumes, sem contar os dois vasos com orquídeas que ocupam o banco traseiro. Não dá para levar cinco cadeiras, nem amarrado!

_Nem pense em deixar as cadeiras aqui. Eu levei dois anos para comprar essas cadeiras e vou levá-las agora. Now. Nesse instante.

Pedi licença para cutucar mais algumas caixas, coisa que me ajuda a pensar melhor, não sei porque. Fui cutucando, cutucando, até que encontrei uma caixinha pequena, um pouco mais alta. Nessa, ao invés de uma cutucada com a ponta do pé, eu dei um peteleco bem dado, tec. Um pássaro, ou morcego, sei lá, voou dali feito um torpedo e eu quase caí de costas. Então eu corri para a minha mulher. Eu já sabia como faríamos o transporte.

_Vamos levar por cima, no teto, amarradas.

E foi assim, ó minha querida kombi de leitores, que nós voltamos da feira com cinco cadeiras amarradas sobre o teto do carro. Devia ter tirado uma foto.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O quintal suspenso do Cabeça

Foi aniversário do Cabeça e nós, eu e a minha mulher, fomos até lá lhe dar um abraço. Como sempre, foi um megaevento, com a presença das pessoas mais ilustres de Brasília, incluindo aí o Niltão, o PV com a namorada, o Igor, a Dani, o Guina e o Esfarelando com a esposa. Na festa ficamos gozando um pouco o convite que o Cabeça fez para todo mundo, numa mensagem de telefone, que eu reproduzo abaixo:

Pessoal: dia 27 é o meu aniversario. Quem estiver em BSB e não tiver nada melhor p fazer, venha p um happy hour aqui em casa, 20h. Vai ter cervas, whisky e piriris. Quem vier, por favor, responda esta mensagem.

É lógico que eu respondi na hora que iria, para garantir o meu lugar na varanda da Maira, mulher do Cabeça. O apartamento é dos dois, mas é a Maira e somente ela que administra a varanda. Tudo lá é cuidadosamente escolhido e colocado, com todo carinho e capricho, pela Maira. Dentre todas as varandas, de todos os apartamentos com varanda que eu conheço, aquela é a maior. Caramba, aquela varanda é tão grande que cabe uma mesa de ping-pong e dois atletas chineses jogando. Se ela fosse coberta de areia daria para dois aposentados jogarem bocha, com espaço para um freezer e cadeira de balanço. Se fosse gramada, daria para brincar de golzinho, numa boa. Daria. Porque agora não dá mais. Acontece que a Maira começou a colecionar árvores frutíferas em miniatura na varanda e agora o espaço, que era generoso, ficou...er..como direi...disputado.

Tudo culpa minha, é claro. Eu um dia caí na besteira de dizer que as jabuticabeiras plantadas em vaso podem produzir normalmente e logo a Maira comprou um vasinho com uma muda. O Cabeça reclamou um pouco, mas a jabuticabeirazinha estava carregada, e o Cabeça é guloso, de modo que ele comeu todas as jabuticabas e portanto, ele gostou. Na sequência ela comprou outra muda e antes que a gente pudesse falar qualquer coisa, ela comprou um vaso com pitangas. E depois, cajás. Caquis. Acerolas. Fruta-do-conde. Jambo. Um pequizeiro rústico. Limãozinho. Etc. Etc. Etc. Hoje aquela varanda parece um quintal suspenso da Babilônia, um projeto de agronegócio auto-sustentável com várias espécies em plena produção, fora as plantas ornamentais. É bonito. É bonito.

Mas chegamos tarde, eu e a minha mulher, e todos os melhores lugares da varanda já estavam ocupados. Tinha uma cadeira debaixo de um pé de maracujá carregado, próximo à fonte, mas ouvi dizer que existem animais selvagens ali perto, então preferi ir até a outra varanda do apê do Cabeça. Sim, amigos. Lá existem duas varandas. A varanda A, number one, administrada somente pela Maira, e a varanda B, number two, totalmente administrada pela Maira, que ela não é boba de deixar o Cabeça dar palpite em varanda. A varanda B é cinco centímetros menor do que a outra e embora não tenha a mesma quantidade de plantas, tem uma fonte do mesmo tamanho e um aquário, onde o Cabeça pretende criar botos.

Pois, então, foi lá na varanda B que começamos a conversar sobre a mensagem convite do Cabeça.

_Achei o cúmulo da modéstia - disse uma pessoa.

_Achei muito modesto, mas simpático - disse uma outra pessoa.

_Achei gay pacas - disse uma pessoa que preferiu não se identificar.

_E você Careca? - disse outra pessoa que preferiu não se identificar.

_Achei que era uma oportunidade de se fazer justiça com o coitado do Cabeça - eu disse. Todo mundo ganha presentes no aniversário e no Natal, mas o Cabeça, não. A vida inteira ele sempre ganhou um presente único, valendo para o Natal e pelo aniversário, um dois em um que lhe deixou profundas e arraigadas marcas. Sei disso, porque ele já me contou sua frustração aos prantos, no aniversário do ano passado. Pois hoje, eu modestamente comecei a corrigir essa injustiça. Talvez pela primeira vez em sua vida, o Cabeça tenha ganhado dois presentes de um amigo, um pelo aniversário e outro pelo Natal.

_E que presentes foram esses? - disse aquela pessoa de novo.

_Um filme do início da carreira dos Stones e uma coletânea do melhor de Truman Capote.

_Ele gostou?- disse não importa quem.

_Ele quase chorou quando viu os dois pacotes separados. Significou muito para ele. O único problema é que ele já tinha o filme. Então ele acabou com um presente só - eu disse.

_Não tem problema, é só levar na livraria que eles trocam.

_O filme não tem etiqueta de troca. A fila estava muito grande, era a última semana antes do Natal, resolvi levar para embrulhar em casa.




quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Peixe no pé

Fomos ao supermercado e compramos toneladas de coisas. Estava lotado, com muita gente irritada, mas conseguimos. Primeiro tiramos todas as coisas dos carrinhos e colocamos na gôndola para o registro da caixa. Depois pegamos tudo da gôndola e colocamos novamente no carrinho para ir até o carro. E então depois do caixa começamos tudo de novo. Tiramos as coisas do carrinho para colocar no porta-molas. Uma dessas coisas caiu no pé da minha mulher. Ela reclamou um bocado enquanto eu me afastava para levar o carrinho até onde ficam os carrinhos. Devo ser um dos poucos idiotas no mundo que faz isso. E não faço porque sou bonzinho, faço porque detesto encontrar um carrinho encostado atrás do meu carro. Na volta, é claro, encontrei um outro carrinho encostado na traseira do carro. Empurrei o carrinho para o lado. E então veio um sujeito grandalhão reclamar comigo.

_Ei, seja cidadão, leve o carrinho para o lugar correto - disse o grandalhão.

_Você tem toda razão - eu disse, e empurrei o carrinho até o lugar dos carrinhos.

_Por que você demorou tanto? - disse a minha mulher, assim que entrei no carro.

_Longa história - eu disse.

E quando olhei pelo retrovisor, vi que havia um carro vermelho parado bem atrás. Alguém havia estacionado atrás de mim para carregar as compras. Minha mulher olhou pelo retrovisor e viu que eram duas mulheres. Ela abriu a porta.

_Ei, estamos indo embora, quer fazer o favor de tirar o carro - disse a minha mulher.

As duas obedeceram sem criar caso. Teria sido diferente se eu tivesse falado alguma coisa. Provavelmente uma das donas teria me xingado ou chamado a polícia. Consegui tirar o carro do supermercado sem maiores incidentes e então entramos no grande engarrafamento para a volta pra casa. Enquanto ainda estávamos bem devagar, minha mulher voltou a reclamar do pacote que havia caído sobre o pé.

_Está doendo ainda? - eu disse.

_É claro que está doendo. Caiu bem em cima do meu dedo.

_Já reparou que a gente sempre machuca os lugares mais doloridos? Eu sempre machuco o mesmo dedão do pé, parece praga - eu disse.

_Não, isso não acontece comigo. Eu me machuco em lugares diferentes, mas dói pacas, do mesmo jeito - disse ela.

_Por que você não coloca gelo? - eu disse.

_Porque não temos gelo, ó sabidão!

_Por que você não coloca o peixe por cima? - eu disse.

_Peixe? Você ficou maluco! Eu jamais colocaria um saco de peixe congelado sobre o meu pé!

_Por quê não? Está congelado e dentro de um saco plástico. Não tem o menor problema - eu disse.

_Prefiro a dor - ela disse.

_Só você mesmo. Se fosse o meu dedão eu colocaria o peixe sobre ele numa boa - eu disse.

_Nunca!

_E você ainda pode escolher, olha só. Nós temos salmão e filé de merluza. Qual seria o melhor para machucados no pé?

_Não adianta, pode parar.

_Se fosse o meu dedão, eu colocaria salmão congelado. Seria mais apropriado, eu diria. Mas para você, eu recomendo o filé de merluza. É mais branquinho e delicado.

_Chega!

_Tudo bem, tudo bem.



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Apollo 11


Para algumas pessoas, a Apollo 11 não esteve na lua. Há controvérsias sobre as missões posteriores, mas para essas pessoas, definitivamente, Armstrong não pisou no solo lunar.

_O cara era um ator, gente! E aquela frase de efeito horrorosa, pura coisa de script de cinema!

Para essas pessoas, Armstrong também não deu aqueles pulinhos no satélite da Terra.

_Imagina! O cara pula tão alto que deveria entrar em órbita!

Essas pessoas sabem tudo o que você jamais sonhou saber sobre a lua. E esse conhecimento é dirigido para tentar destruir as evidências de que a Apollo 11 pousou na lua e que aquilo que foi transmitido pelas TVs da época não aconteceu.

_A bandeira americana não poderia tremular na atmosfera da lua! A sombra da cápsula lunar está errada! Os pedriscos lunares são diferentes! Aquela pegada da bota foi feita em Hollywood! É tudo fake! Fake! Um dia todos saberão a verdade!

Eles acreditam que tudo não passa de uma armação da América belicista em conluio com a escória da mídia.

Quando as pessoas que duvidam da Apollo 11 me perguntam se eu acredito que Armstrong pisou na lua, eu fico sem-graça de dizer logo de cara o que eu penso.

_Qual Armstrong? O Louis ou o Neil? - eu digo, para ganhar tempo. Mas ninguém entende.

_Na verdade, eu era um menino quando a TV exibiu as imagens. E lá no interior onde eu vivia, a TV não pegava bem. Mesmo assim, acreditei em tudo de todo coração - eu digo.

Mesmo assim, quem não acredita na Apollo 11 me olha como se eu fosse um caipira biruta.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

The Kills - Baby Says



The Kills - Baby Says

Baby says she's dying to meet you
Take you off and make your blood hum
And tremble like the fairground lights

Baby says if ever you see skin as fair
Or eyes as deep and as black as mine
I'll know you're lying

Baby says oh how love romance I'll get
From all your sleeping dogs you felt of God
I'll get one yet

Baby says for all I've forsaken
Make something of all the noise
And the mess you're making
And all the time's it's taken

Baby says there's death in these silver curls
That break up in jails
Send you diving for pearls
Without a care in the world

Baby says she's dying to meet you
Take you off and make your blood hum
And tremble like the crimball lights

Baby says oh how love romance I'll get
From all your sleeping dogs you felt of God
I'll get one yet

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Careca e o Espírito de Natal



Alabama Shakes - Hang Loose

Desde que me mudei estou com um relógio novo para medição do consumo de água do lado de fora da casa. O relógio está acoplado a um tubo dentro de um quadrado de concreto. Deve pesar uns cem quilos. Está coberto de hera. Em todas as casas da minha rua há um relógio desses. São vinte candidatos a lixo hidráulico numa única descida. Mas não há o que fazer. Temos que aguardar a companhia de água avisar que está na hora de fazer a ligação do novo sistema. Acredita-se que esse aviso será dado com uma semana de antecedência, para que os moradores possam se preparar para as ligações. Terei que contratar uma ou duas pessoas para cavar uma vala por onde passarão os tubos ligando a velha malha de água com a nova caixa. Também terei que ter canos e válvulas adequadas.

O benefício não é muito grande.No futuro, quando o novo relógio estiver funcionando, não será preciso mais abrir a porta para que um funcionário da companhia de água entre e faça a medição do consumo. Caso eu também queira colocar o relógio da eletricidade fora de casa, terei que desembolsar alguns milhares de patacas. Casas novas no bairro já são construídas com as inovações. Facilita um bocado porque nem sempre há alguém em casa.

Hoje os caras das companhias de água e luz vieram medir e imprimir, na hora, as contas. Na minha casa, o relógio fica ao lado da piscina. Pela primeira vez desde que nos mudamos o consumo ficou dentro do razoável, sinal de que conseguimos localizar todos os vazamentos de água e também que estamos sendo mais racionais quanto ao consumo. O mesmo vale para a eletricidade, andei substituindo muita fiação velha.

Meu vizinho já viajou para as festas. Antes de sair, na terça-feira, ele tocou a minha campainha e pelo interfone perguntou se eu teria um minuto para conversar com ele.

_Claro! - eu disse.

Mas fui até o portão com o pé atrás, tentando recapitular mentalmente todas as coisas que eu fiz nas últimas semanas que poderiam tê-lo chateado ou simplesmente tê-lo deixado emputecido comigo. Barulho, pensei. Estou ligando a serra elétrica todas as vezes em que ele está treinando a clarineta. Se eu tocasse clarineta como ele eu ficaria puto com a falta de respeito do vizinho, eu pensei. Ou então, ele finalmente ficou com raiva da lixadeira elétrica e do aspirador de pó, só pode ser. Não, foi o lixo, putz, deixei cair o saco de lixo na entrada da garagem dele, mas pensei que tinha limpado tudo, o que será?, o que será?, eu pensei, no pequeno trajeto entre o escritório e o portão de casa.

Aperto a mão do vizinho com formalidade, ainda pensando em como posso ter deixado de ser civilizado e cortês com aquele velhinho, que uma vez subiu no telhado da própria casa para pegar uma bola das crianças. Nem precisava, a bola estava furada. Trocamos os cumprimentos de praxe, falamos sobre o tempo e então ele estendeu um pacote de presente para mim, desejando um Feliz Natal para minha família e também um próspero ano novo. Fiquei sem palavras por alguns segundos. Depois agradeci, ainda bravo comigo mesmo por sempre esperar dos outros o que espero de mim, uma indiferença neutra com um sorriso bem-educado. O vizinho então se retirou apressado e eu fui mostrar o presente para a minha mulher: uma garrafa de vinho chileno bem-afamado.

_Putz, esqueci o presente do vizinho na minha mãe - disse a minha mulher.

Putz, eu pensei, eu jamais sequer havia considerado a possibilidade de comprar um presente para o vizinho. Eu nem sequer havia pensado num cartão de natal. Pensando bem, talvez eu tivesse considerado apenas um aceno ao longe, com a boca fazendo o movimento de Feliz Natal, mas sem som.

Aí fiquei pensando, pô, será que só eu é que sou assim? Náaá. Claro que não, eu pensei. E aí as crianças vieram ver o que estávamos conversando e ficaram sabendo do presente do vizinho. Então cada uma correu para um canto e depois voltou com papéis dobrados.

_Pai, nós fizemos cartões de natal para o vizinho, podemos entregar?

_Vocês fizeram cartões de natal? Agora?

_Estão prontos faz tempo, pai. Ele foi muito legal daquela vez com a bola furada.

_E a gente também gosta de ouvir ele tocar clarineta.

_Aliás, pai, será que você poderia parar de ligar o aspirador toda vez que ele começa a estudar música?

_E poderia parar de jogar lixo na entrada da garagem dele? Eu vi pela janela, pai.

Minha mulher me olhava horrorizada. Saí de fininho. Fui me refugiar dentro de uma partida de xadrez contra o computador. Fui derrotado umas três vezes. Na última, tive quase certeza de que a máquina ria de mim. Enquanto jogava fiquei pensando que o meu Espírito de Natal ainda não está funcionando muito bem. Talvez ele melhore nos próximos dias. Mas talvez piore.

Estou falando isso porque hoje os caras das contas de água e luz deixaram um aviso de que estiveram no vizinho e não encontraram ninguém. Já recebi um aviso desses. Tínhamos viajado e a Rose(a babá-cozinheira-lavadeira-faxineira-assistente-social-matrícula-trancada-daqui-de-casa)deixou de vir alguns dias seguidos porque ficou doente. Na pior das hipóteses, a água é cortada. Mas o serviço, em geral, é rapidamente restabelecido, embora aqui em casa tenha demorado uns dois ou três dias. Preciso me lembrar de dizer essas coisas para o vizinho. Ou talvez eu use a chave que ele me emprestou para receber os caras da água e da luz para abrir a caixa de correio e esconder os avisos.




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Segredos berrados ao vento


As três meninas brincam no quintal, à beira da piscina. Elas são bem educadas, nenhuma fala antes que a outra termine de falar. Mas cada uma quer falar mais do que a outra. Então tem início uma conversa de tirar o fôlego. Antes de começar a falar, sentadas em roda, cada uma puxa a maior quantidade de possível de ar para dentro do peito. Mas uma menina só dispara a falar quando a amiga estiver de peito vazio. Ficam assim durante alguns minutos e daí a pouco falar muito e rápido já não é suficiente, é preciso também falar alto. Alguns minutos depois estão esbaforidas, atropelam as palavras uma da outra até que se dão conta que desse jeito não há como entender nada. Então param e riem como só as meninas conseguem, batendo as mãos nos joelhos uma das outras. E só aí é que me vêem e me apontam, fazendo caras e bocas de espantadas. Elas conversam baixinho e decidem enviar uma embaixadora para conversar comigo.

_Pai, você ouviu nossos segredos? - diz a minha embaixadora.

_O quê? - e finjo tirar dois tampões dos meus ouvidos.

_Desculpe, o que você falou? Pode repetir? - eu digo.

Ela nem se dá ao trabalho.

_A barra está limpa, meninas. Papai é surdo.

Mentiras compulsivas - Augusto Nunes


Depois das 6 mil creches que são só sete, Dilma vai deixar de construir 800 aeroportos

Empolgado com a inauguração da Arena Castelão, o neurônio solitário que se empolga até quando inaugura pedras fundamentais enxergou no primeiro estádio pronto para abrigar jogos da Copa do Mundo outra evidência de que governa uma potência de impressionar presidente americano. Faltam 11, mas o pontapé inicial bastou para que Dilma Rousseff desandasse na discurseira: “O Castelão honra o Brasil e mostra pro Brasil inteiro que nós somos capazes, sim, não só di ganhá o jogo no campo mas di ganhá o jogo fora do campo”, caprichou no domingo em Fortaleza.(...)

(...)O comício em Fortaleza confirmou que o espetáculo da tapeação não pode parar. O Brasil que Lula inventou e Dilma aperfeiçoa é tão deslumbrante que, se melhorar, estraga. Nada a ver com o país infestado de governantes ineptos, ministros corruptos, parlamentares vigaristas e quadrilheiros de estimação. Esse Brasil de verdade castiga o bolso e a paciência dos habitantes com licitações fraudadas, roubalheiras espantosas, colossos que nunca ficam prontos, canteiros de obras desertos, maluquices em ruínas emonumentos ao desperdício. O governo não cuida do que existe nem executa o que planeja, mas é muito inventivo.

(...)Viraram 800 porque Dilma Rousseff mente compulsivamente, e com a naturalidade de espiã de cinema. A candidata à presidência da República passou a campanha de 2010, por exemplo, prometendo inaugurar 6 mil creches nos quatro anos seguintes. Passados dois anos, construiu sete. Aplicada aos 800 aeroportos, essa conta permite calcular quantos estarão em funcionamento no fim de 2014. Nenhum.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Apropriação indevida - Dora Kramer


Reproduzo trecho do excelente artigo de Dora Kramer para O Estado de S.Paulo:

A falta de limite entre o público e o privado ficou patente já nos primeiros acordes do governo do PT quando a estrela vermelha virou adorno dos jardins de Palácio da Alvorada, a fox terrier Michelle era transportada em carro oficial e 14 amigos dos filhos do então presidente Lula passavam duas semanas de férias em Brasília com direito a carona em avião da FAB, hospedagem no Alvorada, churrasco na Granja do Torto, tudo pago pela União.

Respeito

Acabou o julgamento do mensalão. Parabéns aos ministros e ministras que agiram como pessoas de bem. Parabéns aos que usaram o bom-senso e fizeram a única coisa possível: condenar os culpados e absolver os inocentes. Durante anos duvidei que alguma condenação pudesse acontecer, cheguei a dizer para o meu amigo Cabeça que as penas seriam prescritas e que nenhum dos espertalhões veria o sol nascer quadrado. Tenho que dar a mão à palmatória. Ainda há juízes em Berlim e Brasília. Pelo menos cinco, considerando-se o resultado da última e importantíssima votação.

Assisti entusiasmado aos primeiros dias do julgamento, mas fui perdendo o interesse com o passar das semanas. Contribuíram para esse afastamento progressivo a retórica excessiva, o pedantismo, a empáfia e a vaidade incontrita dos ministros. No final, acho que os próprios ministros se cansaram de toda a lenga-lenga e começaram a ser um pouco mais objetivos em seus votos. Mais um ponto para o julgamento.

Por diversas vezes, pensei em visitar o plenário do Supremo e me sentar numa daquelas cadeiras bonitas de couro amarelo, mas não o fiz. Venceu a preguiça de colocar terno e caçar estacionamento no local. Prevaleceu a comodidade de assistir a tudo pela internet, quando quisesse.

O julgamento foi importantíssimo para as instituições e afeta diretamente a vida de todos os brasileiros. Por isso, os ministros e ministras que tergiversaram e fugiram de suas obrigações(condenar os culpados e absolver os inocentes) terão o meu eterno desprezo e quando seus nomes surgirem nas minhas conversas amenas e discussões fúteis, serão citados com escárnio e ridicularizados. Ao mesmo tempo, estou incorporando alguns novos verbos ao meu vocabulário.

Levanduiskar - Quando algum subterfúgio for usado para tentar aliviar a culpa de um óbvio culpado, chamarei a tentativa de manobra Lewandovski, ou levanduíscar.

Toffolizar - no futebol, na natação, no baskete, no vôlei, no box, no tênis e até no golfe, o impedimento e qualquer movimento fora das regras será por mim chamado de Tóffoli.

Delubiar - distribuir propina será para sempre "delubiar".

JPC - Receber cinquentinha, será "levar um João Paulo Cunha" ou "ganhar um JPC" ou ainda, pagar a videolocadora. Receber menos do que isso é "levar um luizinho".

Genoinar - Assinar papéis sem ler sempre foi agir como um ge-noí-no im-be-cil. Genoína na frente do X, na linha tracejada, faz favor.

Dirceucizar - mandar cartões e Natal para a galera dizendo que não está desesperado e agradecer aos participantes da vaquinha para juntar 676 mil merrecas para pagar a multa e a grana preta que ainda deve para os adevogados que arrumou. Sai daí, Zé!

Lular - Não saber de nada do que seus ministros fizeram e ao mesmo tempo ser traído pela ignorância é "lular".

Malfeito é, no mínimo, crime de responsabilidade.

Quando crianças forem batizadas, sempre lembrarei aos pais que aqueles primeiros nomes remetem a tais e tais juízes ou condenados, pessoas desprezíveis e abjetas.

Quando eu jogar truco, as cartas de menor valor serão nomeadas com os nomes dos condenados.

Joaquim Barbosa será o Zap, é claro.

É pouco, eu sei, mas é o que posso fazer.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Modelos anoréxicas que não tomam banho

Fomos tomar café da manhã na padaria, como fazemos todos os domingos. É o único dia em que não fazemos o café. Voltando para casa ouvimos os últimos minutos do jogo em que o Corinthians virou bi-campeão, em cima do Chelsea. Influenciada pelo avô materno, as crianças torcem para o Corínthians. Eu torço para um time verde que foi rebaixado. As crianças gritaram um pouco e pegaram no meu pé, é claro. Depois fomos andar de bicicleta no eixão norte. As pistas triplas do eixão ficam fechadas para veículos aos domingos há muitos e muito anos. Ainda é o local mais seguro para se andar de bicicleta na capital. Vi muitos skates(de todos os tamanhos e alguns com motor), bicicletas diferentes e patins. Vi uma linda bicicleta dobrável e fiquei com inveja. Gastei dez minutos para colocar as bicicletas das crianças no carro. Elas ficaram super-desconfortáveis na ida e na volta. As bicicletas dobráveis caberiam facilmente no porta-malas.

Aí apareceu o gordinho com o skate. Era um rapaz de um metro e setenta com uns 110 quilos rijos. Gordinho não descreve bem o sujeito porque ele não era muito flácido, era um tipo compactado, socado. Apareceu zunindo em cima de um dos menores skates que já vi. O shape era pequeno e terminava com um bico igual ao dos mísseis. O gordinho fez um zigzag na pista e ultrapassou um sujeito de patins que estava a toda velocidade. Fiquei olhando para ver se o gordinho levaria um estabaco mas nada, o cara era um ás do skate. Foi até o final da pista fazendo uma longa curva em alta velocidade, cruzando as seis faixas sem dificuldade. Depois, quando perdeu a velocidade na subida, desceu do skate e o carregou, tranquilo. Fiquei com inveja do gordinho. Me arrependi de não ter levado o meu skate.

O sol estava forte e cansamos depressa. As crianças e a minha mulher foram para a piscina. Surfei pelas notícias na internet e confirmei a lógica do Capeta: quando há um grande escândalo envolvendo os graúdos de toda semana, surgem mais dois ou três grandes escândalos juntos para fazer uma cortina de fumaça maior ainda.

Estamos estupefatos, os escândalos se sucedem e não geram indignação, revolta, nada. As últimas passeatas, quem se lembra?, eram genéricas anti-corrupção, não se dizia o nome dos corruptos e nem dos corruptores embora todos sejam velhos conhecidos. Eram como os protestos contra a fome ou a poluição. Quem pode ser a favor da fome e da poluição? Modelos anoréxicas que não tomam banho, é claro.

Nesta semana, imagino que a provocação aos homens e mulheres de bem chegará ao seu apogeu. Mas parece não haver limites para a suberserviência e abnegação geral.


sábado, 15 de dezembro de 2012

Almoço no restaurante árabe e o dia de Iaque Shaving

Fomos almoçar sozinhos neste sábado. O Cabeça e a esposa não puderam nos encontrar. Decidimos repetir o restaurante árabe de outro dia. Pedimos igual: michuí de filé, com tabule. Só o arroz foi diferente. Eu gosto daquele arroz com passas e castanhas, que leva um pouco de canela. Minha mulher prefere arroz com lentilhas. Toda vez que alguém pede esse prato eu me lembro de uma sobrinha que é alérgica a lentilhas. E também me lembro de Esaú e Jacó, é claro. Quando eu era criança, eu achava graça da esperteza de Esaú, que fingiu ser Jacó para ganhas os direitos da primogenitura. Sendo um filho do meio, eu achava a primogenitura um roubo, como diria Proudhon a respeito da propriedade. Aliás, o autor da célebre frase "a propriedade é um roubo", também disse que "a política é a ciência da liberdade". Por quê eu só me lembro de coisas inúteis?

Iaque shaving, iaque shaving. A Internet é a campeã do estímulo ao iaque shaving, que consiste no ato de começar a se fazer uma coisa e acabar não se fazendo nada depois de se olhar um monte de coisas curiosas que aparentemente tinham alguma relevância, mas que demonstraram não haver nenhuma.

Comecei o dia um pouco tarde e corri para o CEASA. Feira boa. Comprei as frutas, verduras e legumes de sempre. De diferente, só um queijo padrão, siriguela, pistache, lichia e um pacotinho com 370 gramas de cerejas. Na banca de sementes e secos, onde comprei o pistache, também experimentei o barú, uma semente escura e torrada, com uma casca fina como a do amendoim. Muito gostosa, mas preferi não levar. Também experimentei nozes, macadâmia, mais pistache, castanha de caju torrada, castanha de caju crua, amendoim torrado, amendoim na casca, amendoim crocante doce e castanha-do-pará. Acabei levando um pacotinho pequeno de castanha-do-pará, só porque a dona da banca já estava fazendo cara feia para as minhas experimentações. Tentei experimentar cerejas, mas acho nenhum feirante me deixou. Experimentei queijos diversos. Experimentei várias lichias. Comi uma bananinha ouro. Adoro o ambiente de feira, mesmo com o barulho ensurdecedor de aparelhos de som, a gritaria de vendedores e o zumzum das pessoas falando sem parar. Não há nada mais brasileiro e cosmopolita. É, de longe, o lugar de Brasília onde mais se vê estrangeiros.

Iaque shaving. Enquanto almoçávamos no restaurante árabe, Caetano Veloso cantava na TV do lugar. Depois entrou Dinho Ouro Preto e deixei de olhar a TV. Conseguimos comprar todos os presentes de Natal. Consegui fazer quase tudo o que planejei para o ano, mas nada teve muita importância. Na volta, deixei minha mulher com a minha cunhada e voltei sozinho para casa. Fiquei olhando no caminho para ver se algum lava-jato estava sem fila. Mas estava tudo cheio. Continuo com o carro sujo. Cheguei em casa e fiz nova limpeza no quintal. Choveu um pouco. Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, está mancando há dois dias. Procurei algum ferimento, mas não encontrei nada. Talvez tenha pulado de algum lugar muito alto e machucado. Caso não melhore, levarei o bichinho para o veterinário na próxima semana.

Mandei mensagens para quatro amigos para ver se ganho mais espaço gratuito no Dropbox. Não tenho o que colocar na nuvem cibernética mas quanto mais espaço melhor. E é de graça. Bom, vou torcer para que se filiem ao Dropbox e assim ganhe mais dois gigas para upload. Mandei uma mensagem para o Natal, mas ela já é cadastrado e já usa o Dropbox.

Menos é mais. Menos é mais. Iaque shaving, iaque shaving. Aí minha mulher chegou de volta, com a minha cunhada e dois sobrinhos, uma menina e um menino. A menina é que é alérgica a lentilhas. E também a salsicha, paio, grão-de-bico e uma porção de outras favas. Todo mundo notou que o Rafa está mancando de uma perna. As duas irmãs começaram a conversar e eu fiquei por perto. Falaram de embalagens. Sim, conversamos sobre qualquer coisa. Minha mulher conta que eu levei todas as sacolas e caixas vazias que entupiam a casa para o sótão. Eu confirmo. Minha cunhada conta que o sotão da sua casa está cheia de louça, que é como chama os azulejos e as porcelanas de revestimento de pisos e paredes. Todos os irmãos do marido, e ele tem muitos irmãos e irmãs, acabam por algum motivo usando o sotão da casa dela como depósito de louça.

_Mas como você permite uma coisa dessas? - disse a minha mulher.

_Ainda tem lugar? Estou com umas dez placas de porcelanato na garagem - eu disse. Mas ninguém achou graça.

Iaque, iaque shaving.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Um sujeito bom destroçado



FREDDIE KING Boogie Funk

A frase síntese de Nêmesis, de Philip Roth, aparece logo no início da página 190. "Não há ninguém menos passível de ser salvo do que um sujeito bom destroçado." O livro termina quatro páginas depois. Nêmesis conta a história de uma pessoa perseguida por um senso de obrigação exacerbado. Uma pessoa como ele está condenada, escreve Roth. "Tudo que fizer jamais corresponderá ao ideal que carrega dentro de si." Parece, é claro, o Livro de Jó, mas sem redenção, só heroísmo. .

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Nêmesis, de Philip Roth



Creedence Clearwater Revival - Good Golly Miss Molly (1969)

Tenho uma lista de coisas para fazer até o final da semana. Refiz as contas e ainda falta comprar dois presentes de Natal. São os dois presentes mais difíceis, é claro, que sempre ficam para o final. Também preciso de papel de presente para refazer uns embrulhos que comprei pela Internet. Planejei resolver todas as pendências nesta quinta-feira, mas não saí de casa. Eu me concentrei na horta e na limpeza do quintal, já que o jardineiro faltou. Recuperei os quatro canteiros da horta, mas isso levou boa parte da manhã.

No período da tarde eu me dediquei a terminar aqueles módulos de estante. Usei dois vernizes no acabamento, ambos à base de água. O primeiro foi um verniz semi-transparente, acetinado, e o segundo era jacarandá. Ficou com uma cor razoável, mas só nesta sexta-feira poderei terminar com as rodas(é preciso acrescentar rodas na lista) e passar pela Aprovação Final das Mulheres. Testo primeiro com a minha filha e só depois é que mostro para minha mulher.

Meu filho não se interessa muito por marcenaria. Não o culpo. Eu mesmo só comecei a me interessar por isso depois de ter sido demitido. Minha filha, não. Ela gosta tanto que no ano passado pediu de Natal um kit de marcenaria de brinquedo. Era um brinquedo muito fajuto, com ferramentas e parafusos de plástico e madeira de espuma, mas ela se divertiu um bocado. A madeira de espuma foi toda retalhada e picotada. Fui ver o preço do refill e quase caí de costas. É quatro vezes mais cara do que madeira de verdade.

Terminei Nêmesis, de Philip Roth, um belo livro com final triste. Preciso escrever sobre isso, mas agora não, agora não.

Estive revirando armários, procurando coisas que achava que tinham sumido e que realmente desapareceram. Não encontro a minha máquina fotográfica analógica, por exemplo. Sei que tinha uns quatro ou cinco filmes virgens, mas também não encontrei. Nas reviravoltas, encontrei o DVD SHALAKO, um bang-bang com Sean Connery e Brigitte Bardot, dirigido por Edward Dmytryk, que não sei quem é e nem vou googlar. Foi um presente que ganhei de um amigo. É filme de feira do interior. Algum aficcionado converteu uma fita VVHS num DVD. A capa foi impressa numa folha A4 cuidadosamente recortada e colocado num saquinho de plástico, daqueles de celofane que encontramos nas lojinhas de doces. Deixei ao alcance, quem sabe não o vejo amanhã?

Rafa dorme aos meus pés. Sobre a mesa, tenho um boneco do Justin Bieber. Minha filha me pediu para trocar as pilhas e concordei sem olhar. Não são filhas comuns, são aquelas baterias pastilhas, que eu só consigo encontrar em alguns relojoeiros ou na Feira dos Importados. Estou com preguiça de ir lá. Fui recentemente para trocar as baterias pastilhas de dois relógios de pulso. Um deles estava parado há anos. Na banca da feira, a moça chinesa me disse que eu poderia escolher entre uma bateria ruim(segunda classe, ela disse), que custava cinco reais, e uma bateria excelente, que custava 15 reais. Escolhi a ruim, é claro. A moça chinesa fez cara de desprezo e trocou rapidamente as baterias. Mas depois não conseguiu fechar um dos relógios e correu até a banca de um amigo. Demorou dez minutos e voltou sorridente com os dois relógios funcionando perfeitamente. Os dois ainda funcionam. Quando pifarem, voltarei a pedir pastilhas de segunda classe. Não manjo nada de classe de bateria.

Sem querer, piso no rabo do Rafa, que fica irritado comigo. Silêncio. Pô, Rafa! Já é quase meia-noite e continuo insone. Às vezes, depois de um dia longo e cheio de afazeres importantes, mas que são tão pouco valorizados no dia-a-dia, eu só vou ter uma pequena idéia para trabalhar por volta dessa hora. E assim mesmo, só depois que escrevi uns cinco ou seis parágrafos de aquecimento e comecei finalmente a encontrar uma linha reta para seguir. E então ela, aquela ideiazinha miúda, me escapa. É preciso começar tudo de novo, mas já não há tempo, amanhã será um novo dia. Talvez eu volte a falar de Nêmesis.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Mais reflexões tardias sobre o Super-Homem



BO DIDDLEY 1965

Ninguém tem a menor noção do que era o interior do Brasil no início dos anos 70, nem mesmo eu, que vivi por lá. Nós vínhamos de uma pequena cidade do interior, com trinta mil habitantes. Lá havia luz, água tratada, asfalto, telefone, rádio e tv. Era uma verdadeira metrópole perto dessa minúscula cidade na beira do rio, onde meu pai foi ser juiz. Nós saímos do interior para os cafundós do Judas, interiorzão mesmo. Era uma cidadezinha de cinco mil habitantes, se tanto. Havia o rio, ruas largas de cascalho, uma igreja grande, um campo de futebol, a prefeitura, um campo de pouso, um fórum, uma ruazinha com um pequeno comércio(pensão, padaria, mercadinho, açougue) e só. A geladeira era a querosene. A luz era de lampiões de gás, velas e lamparinas. Uma vez apareceu um bispo na cidade, coisa rara. Minha mãe, com o sentido prático que tinha, correu com todos nós para recebermos logo a Crisma. Eu só faria o curso para confirmação do batismo uns dez anos depois. Não me lembro de jamais ter visto uma igreja tão cheia na minha vida. Soube de mulheres que haviam viajado trezentos quilômetros em lombo de burro para assistir à missa com o bispo. De tempos em tempos, não muito regulares, apareciam os caminhões com mercadorias. Eram gigantescos Fenemês, os caminhões da já falida Fábrica Nacional de Motores, que traziam geladeiras, lampiões, bicicletas, roupas, calçados, congas, ki-chutes e as tranqueiras que usávamos nas casas do interior. Era nesses caminhões que o meu pai também conseguia encontrar revistas Manchetes mais ou menos recentes e as fantásticas revistas Ebal do Tarzan, Batman, Fantasma, Zorro e Super-Homem.

Eu amava as revistas do Tarzan, mas também gostava do Super-Homem. Ali, no interior cheio de florestas e ao lado de um rio caudaloso, as aventuras do Tarzan poderiam ser mais facilmente ambientadas, era bem fácil gritar krig-ha bandolo. Com o Super-Homem era preciso usar mais imaginação. No meio da jungle brasileira, eu não conseguia imaginar direito o alien sofisticado que usava óculos, terno e gravata, trabalhava num edifício gigantesco, vivia numa cidade de concreto e estava sempre salvando pessoas em trens, aviões e automóveis. Mesmo assim, é claro, eu também tinha a fantasia de ser super ali, na beira do rio, salvando crianças do afogamento, evitando que fossem escalpeladas por motores de popa(um problema que ainda hoje aflige as crianças ribeirinhas), voando com barcos inteiros sobre os ombros, resgatando pequenos monomotores, fritando jacarés com meus raios infra-vermelhos, matando piranhas com petelecos. Mas eu achava o herói poderoso demais, invulnerável demais e, por isso mesmo, um pouco chato. Ter superforça, voar, super-sentidos, visão raio-x e soltar raios-laser pelos olhos não é pouco demais? Com certeza. Por isso, eu sempre ficava ansioso para descobrir onde e quando a kriptonita iria entrar na jogada. Sem ela, o super não tinha grandes problemas.

Não me lembro de ter voltado a prestar atenção no Super-Homem por um longo tempo, talvez até ter visto um personagem de Kill Bill do Tarantino falar sobre os alter-egos dos super-heróis, e aqui eu copio do Google: "Super-Homem não se tornou o Super-Homem. Super-Homem nasceu Super-Homem. Quando Super-Homem acorda de manhã, ele é Super-Homem. Seu alter-ego é Clark Kent. Sua roupa com o grande “S” vermelho – é feita do cobertor que estava embrulhado quando os Kent’s os encontraram, ainda bebê. Essas são as suas roupas. O que Clark Kent usa – os grandes óculos e o terno amarrotado – é o que Super-Homem usa para se misturar conosco. Clark Kent é como Super-Homem nos vê. E quais são as características de Clark Kent? Ele é fraco… ele é inseguro… ele é um covarde. Clark Kent é a crítica do Super-Homem a toda a raça humana."

É. Legal. Mas, para mim, na primeira versão moderna do Super para o cinema, com Marlon Brando no papel de pai do super-herói, a leitura foi um pouco mais atenta. A chave de tudo está naquele cobertorzinho, com o brasão S da família, que veio de Kripton com o pequeno Clark. Naquela versão, o Super não era um alien crítico e pernóstico. Era um ser carente do amor filial, tão carente que não poderia se distanciar do cobertor. Tão carente que queria ser humano e ser amado. Ou melhor, queria ter o amor da cleptomaníaca atriz que fez Lois Lane e também a primeira mulher do Indiana Jones, nem que para isso tivesse que perder os seus famigerados superpoderes. Sim, o Super nos vê como fracos, inseguros e covardes. Somos mesmo. Mas ele nos ama mesmo assim, ou pelo menos ama aquela atriz cleptomaníaca, e nos salva dos grandes vilões que assolam Metrópolis. O único problema é aquele pedacinho de meteorito verde de Kripton.








terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A lógica do Capeta

Um dos garçons de um dos botecos que eu frequentava, já lá se vão muitos anos, tinha o apelido de Capeta. Era irmão ou cunhado dos donos do boteco, não me lembro mais. O Capeta tinha sido estudante de física na universidade. Rezava a lenda que havia sido um dos primeiros colocados de um vestibular de antigamente, mas depois que entrou no curso, a preguiça, a loucura, o desbunde e o consumo de substâncias proibidas haviam transformado um garoto prodígio num estudante velho que não conseguia se formar. Até hoje não sei se conseguiu concluir o curso ou não.

Nós nos conhecemos logo quando entrei na universidade num curso de engenharia, numa matéria introdutória do curso de física na qual o Capeta ganhava uma bolsa como monitor. Era considerado um ótimo monitor pelos alunos, porque não enchia o saco e deixava todo mundo fazer o que bem quisesse enquanto os professores pretendiam explicar alguma coisa. Lembro de um experimento idiota em que deveríamos produzir um gráfico sobre a variação da velocidade de uma bolinha de aço numa canaleta. Uma das pessoas do grupo decidiu que a inclinação da canaleta não era muito radical e acabamos por fazer uma pista com uma queda livre num copo dágua. Alguém de um outro grupo disse que não poderíamos fazer aquilo. O Capeta assistiu a discussão e falou que tudo bem, não havia problema algum.

Nós continuamos a fazer modificações na canaleta, para desespero de alguns estudantes do outro grupo, muitos deles futuros médicos e engenheiros. No final, nosso experimento consistia em tentar acertar um copo de plástico presa ao final da canaleta, depois de se atirar a bolinha de aço do outro lado da sala. Alguém havia sido escalado para anotar a velocidade com que isso era feito numa folha quadriculada. É lógico que a bolinha raramente corria sobre a canaleta e fazíamos uma gritaria louca enquanto ela corria pela sala. Só paramos quando o professor de física, irritadíssimo com a bagunça que encontrou na sala, ameaçou a mim e a outros dois energúmenos de jubilamento imediato. Eu ainda tentei argumentar com o professor e joguei o Capeta na fogueira, dizendo que ele havia autorizado a zorra. O professor se virou para o futuro garçom para ver se ele confirmava a história. Ele deu de ombros e mostrou a folha quadriculada.

_Tirando o que está errado, está tudo certo, professor. Eles fizeram o gráfico - ele disse.

Alguém realmente havia anotado as velocidades e produzido um gráfico, conforme o esperado. Depois eu iria trancar o curso de engenharia e fazer novo vestibular, mas essa é outra história. O que importa e ficou foi aquela frase. Ela viria a marcar os meus anos de universidade porque era efetivamente o que acontecia comigo. Tirando o que estava errado, estava tudo certo, desde que eu conseguisse fazer o que era esperado. Acho que isso acabou se entranhando um pouco na minha maneira de ver as coisas. Desde que algumas das minhas expectativas mínimas estivessem sendo atendidas, estava tudo certo, "no problema".

Mas de alguns anos para cá, alguma coisa aconteceu. Talvez minhas expectativas tenham se expandido. Talvez meu senso de responsabilidade tenha aumentado. Ou talvez eu tenha percebido que há algum problema com a lógica do Capeta e que não basta obter ou apresentar o resultado esperado. É preciso muito mais do que isso, eu sei.

Seja como for, acho que o vi hoje na rua, quando fui levar o meu filho para cortar o cabelo. Lá estava o Capeta, encostado numa parede da rua comercial, ou pelo menos era um cara bem parecido com ele. Fomos nos aproximando e eu já estava com a frase na ponta da língua, o cumprimento especial que sempre trocamos durante todos os anos de universidade e os anos em que frequentei botecos. Mas a uma distância de dez passos, o sujeito se desencostou e saiu apressadamente.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Rabo preso

Meu filho, aos sete anos de idade, não tinha nenhuma dúvida sobre pokemons. Com oito anos ele sabia tudo sobre dinossauros. Agora, com nove anos de idade, ele sabe tudo sobre os bichos. É o seu assunto predileto. Sua paixão, seu quizz-show, sua mania. É comum ele interromper uma conversa qualquer no almoço para nos informar sobre os hábitos alimentares dos ursos, a vida das tuatuaras, o principal predador dos escorpiões, ou que os pavões são admirados desde a antiguidade porque são bonitos e principalmente porque são imunes ao veneno da maioria das serpentes. Ele é fascinado pelo falcão peregrino, um animalzinho de 700 gramas que é capaz de atingir uma velocidade estonteante num mergulho fatal para sua presa. Todo dia aprendo alguma coisa sobre o pequenino falcão. E quando estamos sozinhos no carro, como agora, ele invariavelmente fala alguma coisa sobre os bichos.

_Pai, eu acho que os seres humanos seriam mais felizes se tivessem rabo - ele diz.

Eu concordo, é claro. Mas não digo que alguns seres humanos já têm o rabo preso ou coisa que o valha. Ele então começa a me falar as vantagens de se possuir uma bela cauda livre.
Segue uma pequena lista de algumas dessas vantagens:

_Tinha que ser uma cauda prêensil, pai. Só assim a gente poderia segurar alguma coisa com ela.

_Acho que um rabo seria muito útil para amarrar o cadarço dos tênis. Enquanto as duas mãos davam o nó, o rabo poderia segurar por cima, para não escorregar.

_Poderia servir como uma terceira perna, a gente nunca ia cair.

_O rabo serviria para a gente ficar pendurado e balançar.

_Serviria para segurar um cotonete enquanto a gente estivesse escovando e tomando banho, ao mesmo tempo.

_Serviria para cutucar uma pessoa sem usar as mãos. Ela nunca descobriria que você é que tinha cutucado.

_Serviria para tapar um ouvido para escutar melhor no telefone, sem parar de comer biscoito.

Tento apontar algumas desvantagens.

_Ia ser difícil vestir uma calça jeans.

_As cadeiras de cinema teriam que ser repensadas.

_Seria mais uma coisa para se lavar e pentear todos os dias.

Aqui eu me alongo um pouco.

_E seria superchato de se falar. Você já lavou o seu rabo hoje? Menino, anda, levanta daí e vá lavar o rabo. Olha, disfarça aí, mas vá ao banheiro porque o seu rabo está sujo.

Mas ele está convencido de que as vantagens são insuperáveis.

_Pai, eu seria campeão de videogame.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Camisetas de caveira



Odetta - Hit or Miss (live)

O jardineiro aumentou em dez pratas o preço da diária. Topei, é claro. Só não disse para ele que ao invés de uma vez por semana, estarei usando seus prestimosos serviços somente de 15 em 15 dias. A grana está cada vez mais curta e se para economizar uns trocados eu só preciso aumentar um pouco os cuidados diários com o jardim e o quintal, que seja. Enquanto estamos conversando, minha mulher me liga para perguntar sobre as camisetas de rockeiros que decidimos dar de Natal para um monte de sobrinhos. Eles estão na adolescência e adoram rock, alguns até tocam em bandinhas com os amigos. O único problema é que minha mulher adora MPB e não sabe quase nada de rock.

_O que é Ska generation? - ela disse.

_Geração Ska. É música aparentada com o reggae. Não compre isso. Os meninos são rockeiros, nada de reggae, nem ska, nem pop, nem blues. Rock. Eles gostam de rock.

_Tudo bem, mas é bem bonita a camiseta. Tem certeza de que eles não iriam gostar?

_Absoluta.

Aponto o paredão ao lado da piscina para o jardineiro. Peço a ele para acertar a hera, que está crescendo desordenada, e também falo para podar um pouco os gerânios, que estão ficando altos demais. Conversamos sobre a possibilidade de substituir os gerânios por violetas ou uma outra flor mais rasteira. Fechamos numa troca por lírios, mas depois lembrei que lírios também ficam muito altos. Acabei desistindo de trocar. Aí o telefone tocou novamente.

_Amor, o que você acha de Judas Priest? - disse a minha mulher.

_Não, não compre isso, por favor. É uma banda horrorosa e minhas irmãs católicas não iriam gostar. Quem quer ver o filho com uma camiseta da banda dos Padres de Judas? Quem quer saber dos Vigários do Traidor? Não, não compre isso de jeito nenhum.

_Encontrei uma do Metallica, é boa?

_Pode, essa não tem problema, vai agradar - eu disse.

_E tem uma escrito Hell´s Bells e AC/DC. Será que vou criar uma questão religiosa?

_O sino tem uns chifrinhos, né?

_Tem mesmo.

_Essa é feita desde o meu tempo. Mas é melhor não comprar. Procura uma com a foto de um guitarrista vestido de menino, com boné e gravata, com um raio amarelo por trás. Se tiver, compra para mim. Sempre quis ter uma camiseta dessas.

_Tá bom. Vou ver com a vendedora.

Quando ela ligou novamente eu estava com as crianças na aula de natação. Há muito tempo, quando começamos a namorar, pensei em gravar umas fitas básicas de iniciação ao rock´n´roll para minha mulher. Quando mencionei o projeto, ela educadamente me disse que não teria tempo para aquilo enquanto fazia o mestrado. O telefone tocou novamente.

_Não tem aquela do guitarrista vestido de menino, amor - ela disse. Também não tem dos Beatles. Achei uma dos Rolling Stones, será que eles vão gostar?

_Só se não tiver fotos atuais dos caras. Mick Jagger está parecendo personagem de The Walking Dead.

_O quê? Não entendi nada. A vendedora está com uma camisa do Motorhead. Tem uma porção de modelos de camisa dessa banda com um preço muito bom. O problema é que não aceitam troca. Será que eles vão gostar?

_Compre, compre. Eles vão adorar.

Talvez até não gostem, eu pensei. Mas rockeiro que é rockeiro não vai se dar ao trabalho de ir trocar camiseta numa loja, né?



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Reencontros com os amigos

Não sei vocês, mas toda vez que reencontro uma pessoa das antigas acabo me comparando com a pessoa que encontrei, mesmo que não queira. Às vezes o reencontro é rápido, não dá muito tempo, então só faço uma comparação mental das aparências. Eu vejo se tenho mais ou menos barriga, se meus fios de cabelo estão mais ou menos brancos, se a pessoa conseguiu manter mais dentes do que eu, se as suas olheiras são mais profundas e se ela não desenvolveu manias como as que eu já notei em mim, como a mania de comparar pessoas. Mas outras vezes, quando o reencontro se estende por algum tempo, a comparação não se limita aos aspectos físicos óbvios e se estende para as opções de vida e as trajetórias.

Na maioria das vezes, é preciso reconhecer, eu perco de lavada. Tenho alguns amigos que são verdadeiros atletas, os caras malham todos os dias, têm barriga de tanquinho e a aparência de estrelas de cinema: os dentes são perfeitos, os cabelos parecem de propaganda de shampoo, só usam óculos escuros de boas marcas e cultivam a virtude da modéstia. Conto nos dedos as vezes em que encontrei pessoas com uma barriga de chopp maior do que a minha. E mesmo quando isso acontece, a pessoa quase sempre está melhor nos outros quesitos.




terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A grande disputa de enfeites de Natal



Young the Giant - "My Body"

A árvore de Natal foi montada no início da tarde desta terça-feira. Eu, minha filha e duas de suas amigas da escola fizemos quase tudo. Meu filho começou a ter uma crise alérgica e achei melhor deixá-lo fora dessa. Penduramos pelo menos um quilo de bolas cromadas e enfeites de papel na árvore. Mais cedo, pela manhã, eu e a minha mulher fomos até a Feira dos Importados(antiga Feira do Paraguai) para comprar luzes para enfeitar a casa e a árvore. As lâmpadas velhas estavam meio bichadas, a maioria não prestava mais. Agora a onda é a lâmpada LED, que consome menos energia e é bem mais bonita. Existem LEDs em fitas e em mangueiras. Em alguns quiosques também ofereciam mangueiras de LED que poderiam ser usadas debaixo dágua, dentro da piscina, por exemplo. Eu logo me imaginei mergulhando na piscina iluminada por dezenas de microlâmpadas, meu cérebro sendo fritado por uma descarga elétrica de uma dessas lampadinhas fabricadas no oriente, uma risada sinistra ecoando feito um submarino nuclear daqui até a China. Preferi não arriscar, é claro. Mesmo assim, compramos dez metros de uma mangueira de LED multicolorida a 7 reais por metro. A idéia é fazer um enfeite super-duper-legal na frente da casa. Estamos movidos pelo mais alto espírito de Natal e também porque desejamos deixar a casa mais bonita do que a do vizinho, que na semana passada incrementou sua casa com uma quantidade quase obscena de lâmpadas multicoloridas e efeitos visuais fantásticos. Na ocasião, reagimos de forma diferente.

_Nossa, parece o Pólo Norte - disse a minha filha.

_Ficou bonito - disse a minha mulher.

_Ficou engraçado - disse o meu filho.

_Precisamos fazer melhor - eu disse.

Apesar dos olhares de reprovação da minha mulher, que não considera muito natalino os meus resmungos e manias, tratei logo de pesquisar alternativas bem sacadas de iluminação de Natal a preços módicos. Daí para a antiga Feira do Paraguai foi um pulo. O grande problema agora é como convencer a minha mulher de que precisamos de mais uns vinte ou trinta metros de mangueira de LED e umas trezentas ou quatrocentas lâmpadas multicoloridas para enfeitar as plantas da frente da casa ainda mais e melhor do que o vizinho.











segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Atrasados com a árvore



The Seeker - The Who

Aqui em casa temos o costume de começar o mês de dezembro com a árvore de Natal já montada e com um monte de presentes embaixo. Mas este ano, por causa da idílica viagem do último final de semana, só conseguiremos montá-la nesta terça-feira. De qualquer modo, como acontece todos os anos, a primeira coisa que sempre me vem à cabeça na hora de montar a árvore de Natal é: onde estará aquela danada? Passei boa parte desta segunda-feira procurando por ela, sem sucesso.

Depois de vasculhar os quartos, todos os armários e até a oficina, cheguei a pensar que poderia ter perdido a velha árvore para sempre. Nessa hora senti um arrepio na coluna, pois a árvore de plástico verde, com um metro e oitenta de altura, nos acompanha há nove anos e tem brilhado com razoável espírito desde então. Como quase tudo aqui em casa, adquiri essa árvore numa promoção. Minha mulher jura que estou enganado. Ela afirma que eu comprei uma arvorezinha miúda, de uns meros 60 cm de altura quando nos casamos e que foi ela que comprou a nossa velha árvore atual. Ela pode estar certa, mas o que importa é que ambos admitimos que a árvore foi comprada numa promoção do supermercado. Para mim, a árvore é a comprovação em plástico de que é possível abrigar uma árvore falsa em casa, demorar três horas e meia para cobri-la com lâmpadas, bolas, contas douradas, anjinhos de metal, cornetas, pacotes de papel e enfeites que ficam onze meses guardados numa caixa e ainda ficar feliz com o resultado. Sim, eu adoro essa árvore e não iria sossegar enquanto eu não a encontrasse.

Quero dizer, sosseguei logo em seguida, porque já não havia mais onde procurar. Então, com o coração compungido, olhei para cima. Vi uma mancha no teto da sala. Vi duas manchas. E pensei: maldita infiltração! Os últimos dias de chuva provocaram um estrago no teto e também na pintura de uma coluna. A água infiltrada também amoleceu o rodateto e fez com que uma parte dele desabasse. Isso aconteceu na manhã de sábado, pouco antes de viajarmos. Lembro que na hora eu pensei que aquilo era um sinal dos céus me alertando para arrumar logo a árvore de Natal. Também pensei que era um sinal de senilidade pensar uma coisa dessas. E aí sacudi a cabeça e fui viajar.

Agora ali estava eu pensando onde poderia estar a minha querida árvore de plástico. Hoje em dia eles fazem umas árvores mais tecnológicas, sem o pretenso realismo da minha velha árvore. São coisas mais conceituais, com folhas falsas que não pretendem parecer folhas de verdade. Muitas nem se parecem com um pinheiro. Diversas nem sequer têm forma triangular ou, o que é pior, não permitem que se amarre uma estrela lá na ponta.

Acho que em matéria de árvore de Natal, sou um conservador. Tem que se parecer com um pinheiro piramidal. Tem que aguentar o peso de trezentas bolas coloridas e uma centena de bugigangas, além de ter espaço embaixo para se empilhar os pacotes de presentes. E sobretudo, tem que suportar uma estrela dourada ou prateada de tamanho razoável para chamar a atenção das crianças (Quando uma delas perguntar que estrela é aquela, esteja preparado para responder).

E só depois que pensei nisso é que me lembrei que deixei a árvore de Natal no sótão, sobre a laje da sala. Corri lá para verificar se estava inteira. Sem problemas. Amanhã montaremos a árvore.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Vencedora invicta



Arctic Monkeys - Reckless Serenade

Viajamos rapidamente neste final de semana. Fomos até a pequena cidade onde nasci. Continua pequena. Talvez um pouco menor a cada vez que a visito com as minhas lembranças ainda mais desbotadas. O motivo da viagem foi o aniversário de um primo em segundo grau. Talvez em algum momento tenha me passado pela cabeça a idéia de fazer uma peregrinação às minhas origens, para mostrar aos meus filhos os locais das minhas lembranças de infância mais remotas. Mas choveu o tempo inteiro e a viagem foi um bocado cansativa, então mostrei poucas coisas. Mostrei a praça do coreto. A praça do fórum, onde ainda existe um banco doado pelo meu pai. A praça do mercado. A antiga praça das fontes. O pequeno estádio de futebol e o cemitério ao lado, duas igrejas e as casas dos meus tios, tias e avós. Talvez por causa da chuva fina, foi uma turnê apressada pelos locais, com marcha reduzida mas sem parar o carro nem uma só vez. As crianças simplesmente não pareceram interessadas.

_Aquela era a casa da sua bisavó, que depois ficou com a tia de Uberlândia. A casinha ao lado era do meu tio doido. Ele morou aí por mais de vinte anos - eu disse.

As crianças não fizeram nenhum comentário. Pelo retrovisor, eu podia ver que estavam um pouco despontadas. As casas eram bem humildes e não estavam em boas condições. Com as praças também não foi muito diferente. Elas não viram a menor graça na praça do mercado, na praça das fontes e nem na praça do coreto. Nesta última eu também fiquei desapontado. A praça do coreto era uma das favoritas da minha infância. Parecia gigantesca e cercada de árvores ainda mais gigantescas. Agora as árvores gigantes haviam sumido e o pequeno coreto parecia incapaz de abrigar as trinta ou mais crianças do meu tempo de menino.

_Era a melhor praça do mundo para se brincar de pique-esconde e também de polícia e ladrão - eu disse.

Mas as crianças não viam da mesma maneira, dava para notar. Até que ao passarmos por uma rua estreita, de muros altos, vi uma grande mangueira, a maior de todas que eu jamais me lembrara de ter visto na minha cidade. Parei o carro e todos ficamos de nariz grudado nas janelas observando a árvore.

_Eu já subi nessa mangueira - eu disse. Os dois me olharam com admiração genuína.

_E aquele ali é o grande cedro - eu disse, apontando para uma árvore ao lado da mangueira. Tinha um tronco muito alto e reto. Seria preciso pelo menos quatro pessoas de mãos dadas para abraçar o tronco na altura em que o víamos, acima do muro.

_Você já subiu nele? - eles disseram.

_Não, ninguém nunca conseguiu subir naquela árvore - eu disse.

E todos nós ficamos olhando para o grande cedro com o silêncio respeitoso com que, até mesmo sem querer, reverenciamos os vencedores invictos.

Talvez essa visita rápida aos locais da minha infância fique mesmo no resíduo brumoso das lembranças que não cultivamos. Mas tenho certeza de que as crianças se lembrarão da enorme árvore da minha infância, a única que foi gigantesca e assim permaneceu, invencível.

Frase do dia